CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA LEDA VELTRINI ABBOUD A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E AS (IM)POSSIBILIDADES DE DESCONSTITUIÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO BRASILEIRO CURITIBA 2021 LEDA VELTRINI ABBOUD A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E AS (IM)POSSIBILIDADES DE DESCONSTITUIÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação de Direito da faculdade – UNICURITIBA, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Curso de Direito. Orientador: Prof. Dr. Waldyr Grisard Filho CURITIBA 2021 LEDA VELTRINI ABBOUD A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E AS (IM)POSSIBILIDADES DE DESCONSTITUIÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO BRASILEIRO Monografia aprovada como requisito parcial obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formadas pelos professores: Orientador:______________________________________ _________________________________ Prof. Membro da Banca Curitiba, 2021 Aos meus pais, CLAUDINÉIA VELTRINI ABBOUD e NURY JAFAR ABBOUD e aos meus irmãos, LORE SUMAYAH VELTRINI ABBOUD e NURY JAFAR ABBOUD FILHO, razões de minha caminhada. Aos meus amigos ADRIANO PEREIRA GOMES, GIORGIO JACQUES BREDA e IGOR FLORIANO MACHADO TAVARES, eterna gratidão. AGRADECIMENTOS Começo por agradecer aos meus pais e aos meus irmãos por sempre me apoiarem e me darem forças para que eu pudesse a cada passo me tornar uma pessoa melhor, por me ensinarem o verdadeiro sentido da vida com tanto amor, dedicação e carinho. Não posso deixar de agradecer ao Professor Dr. Waldyr Grisard Filho, por ter me dado a honra de realizar este trabalho sob sua orientação, por ter tido tanta paciência e dedicado seu tempo e seus ensinamentos para me auxiliar no desenvolvimento deste trabalho. Deixo meu agradecimento especial a esta universidade e todos os professores por terem me recebido tão bem e me ensinado, além do direito, a importância e o valor do conhecimento. Agradeço ainda a todos os meus amigos que me apoiaram e caminharam comigo, em especial, meus amigos Adriano Pereira Gomes, Giorgio Jacques Breda e Igor Floriano Machado Tavares, que tanto me ensinaram, acreditaram em mim e, principalmente, pela confiança que me depositaram e por tanto me encorajarem em meus primeiros passos na jornada profissional. Por fim, gostaria de agradecer ao meu companheiro de vida Luiz Guilherme Schneider Citko, por me auxiliar em todos os momentos do presente trabalho, pela paciência e carinho que sempre teve comigo na vida e durante todo o desenvolvimento desta monografia, agradeço com todo meu amor. RESUMO A paternidade sociafetiva não é uma novidade nos núcleos familiares da sociedade brasileira, porém o reconhecimento da afetividade como princípio para se estabelecer a filiação e o registro de um filho vem sendo inserido no direito brasileiro em tempos não muito distantes. O presente trabalho vem com o intuito de analisar a evolução da filiação até o surgimento da afetividade como forma de se estabelecer vínculo familiar, no âmbito do direito brasileiro. Ainda, se pretende apresentar quais os meios legais para que seja reconhecida a paternidade sociofetiva, bem como as possibilidades e impossibilidades de desconstituir essa modalidade de filiação após o reconhecimento e registro. Palavras-chave: Paternidade socioafetiva; Reconhecimento da afetividade; Vínculo familiar. ABSTRACT Socio-affective paternity is not a novelty in the family nuclei of Brazilian society, however, the recognition of affection as a principle to establish the filiation and registration of a child has been inserted in Brazilian law in not too distant times. The present work comes with the intention of analyzing the evolution of the affiliation until the emergence of the affection as a way to establish a family bond, within the scope of Brazilian law. Still, it is intended to present what are the legal means for recognizing sociofective paternity, as well as the possibilities and impossibilities of deconstructing this type of affiliation after recognition and registration. Keywords: Socio-affective paternity; Recognition of affectivity; Family bond. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CNJ Conselho Nacional de Justiça ECA Estatuto da Criança e do Adolescente REsp Recurso Especial STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7 2. A EVOLUÇÃO DA FILIAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO ................................. 8 3. A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA ......................................................................... 12 3.1 CONCEITO ................................................................................................ 12 3.2 A POSSE DE ESTADO DE FILHO ............................................................ 15 4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA ......... 17 4.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................ 17 4.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE ..................................................................... 18 4.3 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA .............................. 18 4.4 PRINCIPIO DA AFETIVIDADE ................................................................... 19 5. O SURGIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA ................................... 23 5.1 REPERCUSSÃO GERAL 622 – STF ......................................................... 25 5.2 AS PRINCÍPAIS PREMISSAS DO ACÓRDÃO .......................................... 27 5.2.1 O Provimento 63 do CNJ ......................................................................... 28 5.2.2 Disposições do Provimento nº 63/17 ....................................................... 28 5.3 O RECONHECIMENTO SOCIOAFETIVO EXTRAJUDICIAL ..................... 30 6. AS (IM)POSSIBILIDADES DE DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA ................................................................................................................... 31 6.1 A DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA .................. 31 6.2 AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE ................................................... 32 6.3 ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS .......................................................... 35 7. CONCLUSÃO ................................................................................................................... 41 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 43 7 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o objetivo de apresentar a paternidade socioafetiva em seus amplos aspectos jurídicos e embasamento constitucional que fazem referência ao tema, estabelecendo o vínculo da filiação na atualidade do direito de família. A Constituição Federal de 1988 trouxe ao campo jurídico brasileiro as modalidades de filiações nas quais não necessariamente é fundamental a existência de laços consanguíneos entre os pais e seus filhos. Dentre essas possibilidades trazidas pela Constituição Federal encontra-se a filiação afetiva, que é aquela onde os membros da família são unidos pelo afeto, e será tratada de maneira efetiva no presente trabalho. Ao decorrer do trabalho será demonstrado que atualmente, com a evolução da sociedade e, consequentemente, do direito, a paternidade socioafetiva traz consigo novos conceitos de família e o fato de que os laços consanguíneos não são mais exclusivamente levados em consideração para a formação da família, mas que o afeto, o amor e o carinho são, também, relevantes para que se estabeleça um núcleo familiar. Ademais, busca apresentar quais as formas de se realizar o registro de um filho afetivo, bem como os efeitos desse registro. Ainda, se pretende demonstrar que após o reconhecimento e registro de um filho afetivo existe a impossibilidade de se desconstituir a paternidade, também, demonstrar em quais casos a desconstituição da paternidade socioafetiva é possível, aplicando-se a casos concretos. 8 2. A EVOLUÇÃO DA FILIAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO A família do Século XX era patriarcal, patrimonial, hierarquizada e matrimonializada. O pai, pessoa que geria a família, era a autoridade, tinha o poder sobre a vida e a morte dos filhos, ficando, portanto, no topo da hierarquia, de modo que a estrutura familiar girava em torno do patrimônio da família que possuia a função econômica como principal. O conceito de filiação no Brasil era dado de forma completamente discriminatória, pois os filhos eram classificados de acordo com o estado civil dos pais. Para Maria Berenice Dias: “a família constituída pelo casamento era única a merecer reconhecimento e proteção estatal, tanto que sempre recebeu o nome de família legítima”. 1 O Código Civil de 1916, por exemplo, classificava os filhos como legítimos e ilegítimos, aqueles eram protegidos pela presunção de que os filhos que eram nascidos do casamento tinham como o pai aquele que era marido da mãe, sendo o casamento, portanto, a legitimação, que tinha o condão de conferir aos filhos havidos anteriormente os mesmos direitos e qualificações dos filhos legítimos, como se houvessem sidos concebidos após as núpcias2. O artigo 352 do Código acima mencionado dizia que “os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos”.3 Os filhos ilegítimos não tinham direitos garantidos pelo ordenamento jurídico e também não podiam ter sua paternidade reconhecida, sem que sequer fosse a estes dado o direito de pleitear em juízo os alimentos, enquanto os filhos naturais poderiam ser legitimados e ter sua paternidade reconhecida, seja de forma espontânea ou jurídica, posteriormente ao casamento dos pais4, como era disposto 1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo, SP: Revista Tribunais, 2013. p. 360 2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direto civil brasileiro, parte geral, 9. ed., São Paulo/SP: Saraiva, 2011, 1 v. p. 321 3 BRASIL. Lei n° 3.071 de 1° de janeiro de 1916. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Poder Executivo, Brasília, DF, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, p. 1, 11 jan. 2002. Acesso em: 30. Nov. 2020. Art.352. 4 CYSNE, Renata Nepomuceno e. Os laços afetivos como valor jurídico: na questão da paternidade socioafetiva. Família e jurisdição II. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 189-223 9 pelo artigo 355 do Código Civil de 1916, segundo o qual, “o filho ilegítimo pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”.5 Para Dias: Negar a existência da prole ilegítima simplesmente beneficiava o genitor e prejudicava o filho. Ainda que tivesse sido o pai quem cometera o delito de adultério – que à época era crime-, infringindo o dever de fidelidade, o filho era o grande perdedor. Singelamente, a lei fazia de conta que ele não existia. Era punido pela postura do pai, que se safava dos ônus do poder 6 familiar. Em 1942 houve o surgimento do Decreto Lei nº 4.737, que dispõe a respeito do reconhecimento dos filhos naturais.7 A Lei nº 883 de 21 de outubro de 1949, passou a dispor sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos, revogando o decreto anteriormente mencionado. A referida Lei, ainda, dispunha sobre os direitos sucessórios aos quais os filhos reconhecidos teriam direito, no entanto, os filhos tidos fora do casamento possuíam somente metade dos direitos que possuíam os filhos legítimos ou legitimados.8 Em 1977, a Lei do Divórcio nº 6.515 equiparou o direito de herança dos filhos, bem como passou a tratar sobre a possibilidade de reconhecimento pateral do filho que era gerado fora do casamento, através de testamento cerrado. 9 Em 1984, foi promulgada a Lei nº 7.250, acrescentando que “Mediante sentença transitada em julgado, o filho havido fora do matrimônio poderá ser reconhecido pelo cônjuge separado de fato há mais de 5 (cinco) anos contínuos.”10 No entanto, somente em 1988, com a chegada da Constituição Federal, ocorreram as maiores e principais mudanças no direito de família brasileiro, deixando de existir aquela família única e exclusivamente reconhecida pelo matrimonio, passando o legislador a dar maior atenção ao afeto e a qualquer 5 BRASIL, op. cit. art. 355. 6 DIAS, op. cit. p. 361. 7 BRASIL, Decreto Lei nº 4.737, de 24 de setembro de 1942. Dispõe sobre o reconhecimento de filhos naturais. Poder Executivo, Brasília, DF, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 26 set. 1942. 8 BRASIL. Lei nº 883 de 21 de outubro de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos. Poder Executivo, Rio de Janeiro, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Seção 1, p. 15186, 26 out. 1949. 9 BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Poder Executivo, Brasília, DF, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Seção 1, 27 dez. 1977. 10 BRASIL. Lei nº 7.250, de 14 de novembro de 1984. Acrescenta parágrafo ao art. 1º da Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, que dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos. Poder Executivo, Brasília, DF, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 16 nov. 1984. 10 organização familiar que nele fosse baseada, surgindo, então, o conceito de família eudemonista, caracterizada pela comunhão de afeto recíproco, consideração e respeito mútuo entre seus membros, não se valendo do vínculo biológico.11 A Constituição traz, portanto, a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre todos os filhos, dispondo em seu artigo 5º a igualdade de todos perante a lei, bem como em seu artigo 277, § 6º, os direitos iguais aos filhos havidos do casamento, fora dele ou por adoção, proibindo qualquer discriminação. “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.12 No ano de 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela Lei nº 8069, assegurando os direitos das crianças e dos adolescentes, dispondo, em seu artigo 27, o reconhecimento da filiação como direito imprescritível, indisponível e personalíssimo que, nos termos do artigo 26 do referido estatuto deve ser independente da origem da filiação.13 Em 1992 surgiu a Lei nº 8560, para regular a investigação da paternidade dos filhos nascidos fora do casamento, proibindo, em seu artigo 5º, a referência quanto a natureza da filiação, proibindo também, em seu artigo 6º, que na certidão de nascimento seja feita referência quanto ao nascimento oriundo de relação extraconjugal.14 O novo Código Civil brasileiro foi promulgado em 2002, reforçando a igualdade e dignidade da pessoa humana e proibindo a discriminação entre os filhos. Porém, de acordo com Venosa: “apesar da igual de direitos já estabelecida em lei, os filhos havidos fora do casamento não gozam da presunção de paternidade outorgada aos filhos de pais casados entre si”.15 No entanto, observa-se que, historicamente, o conceito de família exclusivamente patriarcal fora sendo deixado de lado, abrindo-se espaço às 11 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 12 Ibid. art. 277, §6º. 13 BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências . Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil , Brasília, DF, 16 jul. 1990. 14 BRASIL. Lei 8.560 de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Poder Executivo, Brasília, DF, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, p. 18417, 29 dez. 1992. 15 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, 6 v. p. 47. 11 mudanças que foram ocorrendo nas estruturas das famílias brasileiras, não havendo mais distinção entre os filhos das relações matrimoniais ou extramatrimoniais, passando todos eles a serem considerados como FILHOS. Ademais, ainda com os avanços tecnológicos e o surgimento do exame de DNA, o vínculo biológico passou a não ser mais fator determinante para definir a filiação. Entre todos os conceitos de filiação existentes atualmente, como por exemplo, o conceito jurídico e o biológico, no presente trabalho se busca demonstrar a construção do conceito socioafetivo de filiação, traçando o histórico de seu surgimento, sua evolução perante o ordenamento jurídico brasileiro e, por fim, as possibilidades e impossibilidades de desconstrui-los frente ao direito brasileiro, trazendo à tona as mais recentes e relevantes decisões a respeito desse tema tão complexo e polêmico, bem como o entendimento doutrinário quanto a socioafetividade. 12 3. A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA Como veremos a seguir, a paternidade socioafetiva, demonstra a força que o afeto possui na vida dos indivíduos, é o vínculo gerado entre pai e filho, independente da consanguinidade. 3.1 CONCEITO A família contemporânea se encontra em um processo de transição do qual se deriva uma quebra de influências externas como, por exemplo, a religião, e, concomitantemente, um processo de realização existencial afetiva de seus membros. Dessa forma, um grande número de estruturas familiares passou a ser reconhecido, de modo que as famílias formadas pelos laços afetivos passaram a ser reconhecidos com maior dignidade.16 Embora a formação familiar sociafetiva não seja uma novidade na prática, é um assunto novo que gera grande resistência. Ao passo que se compreende que a família é um elemento cultural, e assim sendo, sofrerá constantes modificações, se poderá construir juridicamente um pensamento quanto a socioafetividade.17 As expressões “paternidade socioafetiva” e “parentalidade socioafetiva” são criações da doutrina brasileira e foram absorvidas pela jurisprudência. Nesse sentido, Cassetari menciona que: Quem primeiro as utilizou foi o jurista paranaense Luis Edson Fachin, em sua tese de doutoramento, publicada em 1992, sob o título “Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida” (Ed. Del Rey), após o jurista mineiro, João Baptista Villela, ter lançado as bases para o desenvolvimento desse conceito, através de seu texto “A desbiologização da paternidade”. Aí está a origem próxima e base de sustentação da 18 socioafetividade e multiparentalidade. Com a evolução e modificação das estruturas familiares, considerando a socioafetividade, a família deixou de ser hierarquizada e patriarcal, deixando 16 CALDERÓN, Ricardo. Princípio da Afetividade no Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 139. 17 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 15. 18 Id. 13 também de ser um núcleo exclusivamente econômico, passando a ganhar espaço o afeto e o amor. O afeto, portanto, passou a ter um valor jurídico, principalmente com o surgimento da Constituição Federal de 1988 e o princípio da dignidade da pessoa humana, paasando a sustentar as novas estruturas familiares formadas pela afetividade. Segundo Cassettari: Os laços de sangue não são fortes o suficiente para sustentar e garantir a paternidade e maternidade, e nem mesmo um liame jurídico predeterminado. O sustento está no afeto e na estrutura psíquica que se cria a partir dele. Por isso é que se pode dizer que a verdadeira paternidade é adotiva, isto é, se não se adotar, de fato e verdadeiramente, o filho, mesmo biológico, não haverá o laço fundamental que estrutura a relação de 19 paternidade/maternidade. O princípio da afetividade encontra-se presente na Constituição, como por exemplo no art. 226, §4º, além de implícita em seus princípios fundamentais e, ao mesmo tempo, nos demais ordenamentos jurídicos brasileiros, a exemplo dos artigos 1.596, 1.603 e 1.605 do Código Civil, também, através do impulso dos fatos sociais, permitindo a proteção dos novos modelos de família.20 Para Tartuce, “2016 foi o ano da afetividade na jurisprudência superior brasileira”. Inicialmente, pelo julgamento a respeito da inconstitucionalidade do art. 1.790 de Código Civil, em 31 de agosto de 2015 pelo STF, trazendo em seu texto o reconhecimento da inconstitucionalidade da distinção entre cônjuges e companheiros, devendo, nestes casos, aplicar-se o que dispõe o art. 1.829 do Código Civil de 2002.21 A segunda decisão relevante, também do STF, firmou a seguinte tese: “a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. (publicada no Informativo n. 840 do STF)”.22 Aspecto relevante a ser considerado é que a partir do julgamento supracitado, passou-se a reconhecer juridicamente o valor que possui a afetividade e, também, a 19 Id. 20 CALDERÓN, op. cit. p. 145 21 TARTUCE, Flávio. 2016 O Ano da Afetividade na Jurisprudência Superior Brasileira. Revista JurisFIB, Bauru – SP, 2016. p. 63-64. 22 Id. 14 consolidação da parentalidade socioafetiva como parentesco Civil, conforme o art. 1.593 do Código Civil de 2002, estando esta em pé de igualdade com a parentalidade biológica, não existindo hierarquia.23 Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça, com o provimento nº 63 de novembro de 2017, passou a apreciar a extrajudicialização do registro civil, diminuindo o número de demandas judiciais e aumentando a formalização adequada da filiação, que não ocorria frente aos regramentos impostos. As medidas implementadas buscaram facilitar o acesso ao registro do estado de filiação de forma extrajudicial.24 A doutrina e a jurisprudência passaram a reconhecer como suficiente a socioafetividade para estabelecer o vínculo parental, ao lado do vínculo biológico, fundamentado nos fatos sociais.25 Passa-se, então, após o entendimento histórico da modificação a respeito da filiação e do surgimento jurídico do princípio da afetividade, a buscar os efeitos posteriores ao reconhecimento paternal socioafetivo, com o intuito de demonstrar, juridicamente, as possibilidades e impossibilidade de descontruir o vínculo afetivo no âmbito do direito brasileiro, levando em consideração a imensa relevância que a afetividade ganhou frente aos ordenamentos jurídicos, a doutrina e a jurisprudência brasileira. Por fim, demonstra-se inegável a amplitude do tema e a grande relevância doutrinária e jurisprudencial acerca da paternidade sociafetiva, seus efeitos e as possibilidades de desconstrução, que posteriormente serão apresentadas. Dentre as peculiaridades a serem identificadas e investigadas no processo de aquisição, destacam-se: a trajetória do direito brasileiro quanto ao amparo jurídico do reconhecimento filial sociafetivo, a facilitação do registro civil devido a extrjudicialização e, a partir dos efeitos da paternidade sociafetiva, as possibilidades de desconstrução do vínculo afetivo mediante Ação negatória de Paternidade e exclusão do nome do pai sociafetivo do registro civil do filho, sendo, portanto, o presente trabalho baseado na análise histórica da filiação e da afetividade no Direito de Família, além de seus posteriores efeitos. 23 Ibid., p. 65. 24 CALDERÓN, Ricardo. TOAZZA. Gabrielle Bortolan. Filiação Socioafetiva: Repercussões a Partir do Provimento 63 do CNJ. Disponível em: < https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Filiação>. Acesso em: 7 out. 2020., 17:48. 25 Id. 15 3.2 A POSSE DE ESTADO DE FILHO Conforme os ensinamentos de Orlando Gomes, a Posse de estado de filho ocorre pelo conjunto de circunstâncias que expõem a qualidade do indivíduo como filho legítimo e as consequências desta relação, tendo como requisitos: possuir o nome dos genitores; ser tratado como filho legítimo de forma contínua e ser constantemente reconhecido como filho pelos pais e pela sociedade.26 No mesmo sentido, Pereira sustenta que a posse do estado de filho “significa desfrutar o investigante de uma situação equivalente à de filho”.27 Veloso, por sua vez, conceitua a posse de estado de filho como sendo aquela que é resultado de vários fatos, os quais, em conjunto, constituem fortes indícios da existência de uma relação de filiação, entre uma pessoa e aquela à qual está sendo atribuído o estado de filho.28 Nesse sentido, para Luiz Edson Fachin, a posse de estado de filho está caracterizada desde que estejam presente três elementos: tractatus, nomem e fama (ou reputatio), sendo que a tractatus está presente quando a pessoa é tratada na família como filha e onomem quando a pessoa traz o nome do pai.29 Ainda, explica Fachin que “o instituto de que se está a tratar, para a sua caracterização exige que estejam presentes no caso concreto certas qualidades, que ofereçam segurança na afirmação da posse de estado. Há que existir notoriedade do estado de filho, ou seja, a posse de estado deve ser objetivamente visível no ambiente social. Outra qualidade necessária é a continuidade, ou seja, deve apresentar-se uma certa duração que revele estabilidade. Por derradeiro, esses fatos notórios e contínuos não devem gerar equívocos acerca da filiação”.30 Alguns tribunais utilizam essas teorias, como podemos ver na apelação cível 2012.058872-1 (Acórdão) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO PATERNIDADE SOCIOAFETIVA ACUMULADA COMPETIÇÃO DE HERANÇA E RETIFICAÇÃO DE PARTILHA. RECONHECIMENTO DE 26 GOMES, Orlando. Direito de Família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 324. 27 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 28 VELOSO, Zeno. Direito da filiação e paternidade. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 32-33. 29 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p 202. 30 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo Código Civil. Vol. XVIII: do direito de família, do direito pessoal, das relações de parentesco. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 109. 16 PATERNIDADE PÓSTUMA POR VÍNCULO AFETIVO, POSSE DO ESTADO DE FILHO. SITUAÇÃO DE FATO. ELEMENTOS CARACTERIZADORES. NOMINATIO, TRACTUS E REPUTATIO. FILHO DE CRIAÇÃO. AUXÍLIO MATERIAL. AUSÊNCIA DO TRATAMENTO AFETIVO DISPENSADO AOS FILHOS BIOLÓGICOS. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NÃO DEMONSTRADA. SENTENÇA IRREPOCHÁVEL. RECURSO DESPROVIDO. A filiação socioafetiva fundada na posso do estado de filho e consolidada no afeto e na convivência família, pressupõe a existência de três elementos caracterizadores: o nomem - utilização do sobrenome paterno; o tratactus - pessoa deve ser tratada e educada como filho; e a reputatio - o reconhecimento pela sociedade e pela família da condição de filho. A ausência de um desses elementos conduz à improcedência do pedido de reconhecimento da paternidade póstuma por vínculo afetivo. TJ-SC - AC: 20120588721 SC 2012.058872-1 (Acórdão), Relator: Fernando Carioni, Data de Julgamento: 10/09/2012, Terceira 31 Câmara de Direito Civil Julgado) A Posse de Estado de filho é imprescindível para que seja realizado o reconhecimento da paternidade socioafetiva, perante a justiça e a sociedade. Importante ressaltar que esse Estado não é exclusivo da paternidade socioafetiva, mas também da Biológica, visto que os pais biológicos também devem o tratar como se fossem os filhos afetivos, dando aos mesmos o afeto necessário. O Conselho da Justiça Federal traz em seus enunciados n° 519 e n° 7 do Instituto Brasileiro de Direito de Família a importância deste Estado. Enunciado n° 519: Art. 1.593: O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais. Enunciado n° 7 do IBDFAM: A posse de estado de filho pode constituir a paternidade e maternidade. Ressalta-se, portanto, que todos os elementos que constituem a Posse do Estado de filho, devem ser públicos, notórios, estáveis e inequívocos, para que seja caracterizada a paternidade afetiva, esse reconhecimento é realizado de forma objetiva, e mantém a segurança jurídica das relações sociais. 31 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n º 1.244.957. Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Recorrido: R. A B. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 7 ago. 2012. Data de Publicação: 27 set. 2012. 17 4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA Notadamente, torna-se imprescindível analisar os princípios constitucionais que se aplicam ao instituto da paternidade socioafetiva, vez que são eles que dão amparo ao surgimento da referida modalidade de paternidade, uma vez que a partir da Constituição Federal de 1988, que o afeto passou a exercer função importante, tendo em vista que a paternidade biológica deixou de possuir superioridade sobre a paternidade socioafetiva. Neste sentido seguem as lições de Maria Berenice Dias, que através de seus ensinamentos esclarece esse assunto: Nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, mas essa verdade tem pouca valia frente à verdade afetiva. Tanto assim que se estabeleceu a diferença entre pai e genitor. Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é somente o que gera. Se durante muito tempo por presunção legal ou por falta de conhecimentos científicos confundiam-se essas duas figuras, hoje 32 possível é identificá-las em pessoas distintas. Cumpre destacar que a paternidade socioafetiva surgiu da interpretação da legislação paterno-filial dos princípios constitucionais, presentes na Constituição Federal de 1988, como será exposto a seguir. 4.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA O princípio da dignidade da pessoa humana, dentre os princípios que norteiam o surgimento da paternidade socioafetiva, merece destaque, tendo em vista sua relevância como principio fundamental. Tal princípio encontra-se expressamente inserido na Carta Magna, no artigo 1º, inciso III, da CF/88, sendo este um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. O referido princípio é tratado por Dias, como sendo “o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: libertadade autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos”.33 Para Mendes: 32 DIAS, op. cit. 331. 33 Ibid. p. 59. 18 É sob a metafísica do ser humano que se reputa adequado analisar a dignidade da pessoa humana, como um dos princípios desde logo considerados de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional, 34 em que se funda a República Federativa do Brasil. Pode-se confirmar, portanto, que não existe no ordenamento jurídico princípio de tamanha relevância ao tratar-se das relações familiares e suas diferentes relações, como a paternidade socioafetiva, ganhando destaque o respeito, o amor e o afeto. 4.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE O princípio da igualdade também se destaca por sua relevante importância para evidenciar a paternidade socioafetiva, garantindo a igualdade entre os filhos. Dispõe o art. 227, parágrafo 6 da CF/88, in verbis, que “os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.35 Assim sendo, os filhos são iguais entre si, possuindo as mesmas obrigações e direitos, conforme o previsto no art. 5º da Constituição Federal de 1988, atingindo, inclusive, as novas formas de filiação surgidas com o avanço das novas técnicas de reprodução. Dessa forma, destaca-se que a igualdade entre os filhos, foi primordial para o surgimento da paternidade socioafetiva, passando a consagrar as demais formas de filiação, não somente a biológica. 4.3 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é um princípio fundamental, dando proteção integral a estes e vedando discriminações entre os filhos. Os direitos da criança e do adolescente são conhecidos de forma universal, englobando todos os menores de 18 anos, levando em consideração o estado de 34 MENDES, Gilmar Ferreira. Constituição Federal Comentada. 3. ed. Brasília: Revista dos Tribunais, 2007. p. 43. 35 BRASIL. 1988. art. 277, §6º. 19 desenvolvimento, tendo à família e o Estado a obrigação de zelar pelo bem estar destes. Por esse motivo a Constituição Federal abordou a proteção do menor com grande prioridade, dispondo, em seu artigo 277, caput, o direito ao respeito, a dignidade, a convivência familiar, os preservando de qualquer forma discriminatória. 4.4 PRINCIPIO DA AFETIVIDADE Temos o princípio da afetividade como o principal princípio quanto ao objetivo do presente trabalho. O afeto, uma vez que passou a ganhar grande destaque no ordenamento jurídico, tornou-se também das formas mais importantes de vínculo familiar, indo além do vínculo biológico. A doutrinadora Maria Berenice Dias destaca da seguinte forma o citado princípio: O princípio da afetividade, um dos mais importantes princípios consagrados na Constituição, tendo em vista que foi por meio deste que se operaram as principais mudanças no âmbito do direito de família, sendo uma dessas modificações e a que realmente interesse ao presente estudo, a 36 modificação do conceito de paternidade. O princípio em referência no presente tópico passou a ser muito aplicado nos casos que envolvem a paternidade socioafetiva, propiciando novas fundamentações a decisões no âmbito jurídico. Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade incidiram no direito de família, permitindo uma releitura de diversas categorias jurídicas, muitas delas mais aptas às demandas da diversidade da sociedade atual. A aproximação com a experiência concreta fez com que o direito percebesse a importância social da afetividade, ainda que as técnicas científicas estejam em constante avanço no sentido de descobrir os vínculos biológicos.37 A jurisprudência teve um papel fundamental na inclusão da afetividade de forma expressa, pois os tribunais há muito fazem remissões à socioafetividade como vínculo parental suficiente. Atualmente, a afetividade tem contribuído para leituras de outros temas do direito de família, como por exemplo, definição de entidade familiar, 36 DIAS, op. cit. p. 60 37 CALDERÓN, Ricardo Lucas. Princípio da Afetividade no Direito de Família. Rio de Janeiro. Forense, 2017. p 140. 20 parentesco, guarda, adoção, alienação parental, etc. Inclusive, os Tribunais Superiores têm abordado a afetividade em diversas decisões judiciais, acolhendo o tema em acertamentos de casos concretos.38 Segundo Ricardo Lucas Calderón, a doutrina se divide em três correntes: a) a que argumenta que a afetividade deve ser reconhecida e pode ser classificada como um princípio jurídico; b) a que alega que deve ser assimilada pelo Direito, mas apenas como um valor relevante; c) e a que sustente que a afetividade não deve ser valorada juridicamente, pois entende que o afeto é um sentimento, o que seria estranho ao Direito.39 Calderón segue afirmando que a problemática central do tema afetividade engloba, atualmente, o seu reconhecimento ou não pelo Direito e sua possibilidade de inclusão na categoria de princípio. Esta discussão traz implícita a visão de Direito que se adota, as maneiras de expressão que se lhe reconhece, o conceito e o papel de princípio no sistema e a escolha de algumas posições hermenêuticas que refletem na análise. Todas estas opções influenciam a maneira como se apreende a relação entre a família e o Direito que pretende regulá-la.40 Na doutrina contemporânea, tornou-se comum afirmar que o afeto tem valor jurídico e que este fora alçado à condição de verdadeiro princípio geral.41 Como ensina a juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga: O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da 42 afetividade. De acordo com Flávio Tartuce, afeto significa interação ou ligação entre pessoas, podendo, portanto, possuir carga positiva e negativa, sendo o afeto 38 Id. 39 Id. 40 Id. 41 TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no Direito de Família — breves considerações. Revista Consulex, Brasília, DF, Ano XVI, n. 378, 15 out. 2012. p. 28-29. 42 GROENINGA, Giselle Câmara. Direito Civil. Volume 7. Direito de Família. Orientação: Giselda M. F Novaes Hironaka. Coordenação: Aguida Arruda Barbosa e Cláudia Stein Vieira. São Paulo: RT, 2008. 21 positivo o amor e o negativo o ódio e, por óbvio, ambos estão presentes nas relações familiares.43 Apesar de algumas críticas e de polêmicas levantadas por alguns juristas, dúvidas não pairam de que a afetividade constitui efetivamente um princípio jurídico aplicado ao âmbito familiar.44 Conforme apontado por Ricardo Calderón, em sua dissertação de mestrado defendida na UFPR: (...) parece possível sustentar que o Direito deve laborar com a afetividade e que sua atual consistência indica que se constitui em princípio no sistema jurídico brasileiro. A solidificação da afetividade nas relações sociais é forte indicativo de que a análise jurídica não pode restar alheia a este relevante aspecto dos relacionamentos. A afetividade é um dos princípios do direito de família brasileiro, implícito na Constituição, explícito e implícito no Código 45 Civil e nas diversas outras regras do ordenamento. Assim sendo, ainda diante da falta de previsão expressa na legislação, pode- se perceber que a sensibilidade dos juristas também é capaz de demonstrar que a afetividade é um princípio do nosso sistema. Nesse sentido, para Ascensão, os princípios são “grandes orientações que se depreendem, não apenas do complexo legal, mas de toda a ordem jurídica”.46 Eles estruturam o ordenamento, e não restam dúvidas de que a afetividade constitui um código forte no Direito Contemporâneo, gerando grandes alterações na forma de se pensar a família brasileira.47 Para o autor citado acima, existem três consequências pontuais e perceptíveis, sendo a primeira, o fato de que a afetividade contribuiu para o reconhecimento jurídico da união homoafetiva; a segunda é a admissão da reparação por danos decorrentes do abandono afetivo; e a terceira é o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco, enquadrado no Código Civil, artigo 1.593 ao se referir a “outra origem”.48 43 TARTUCE. loc.cit. 44 Id. 45 CALDERÓN, Ricardo Lucas. O percurso construtivo do princípio da afetividade no Direito da família brasileiro contemporâneo: contexto e efeitos. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) — Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2020. p. 288. 46 ASCENSÃO, José de Oliveira. Introdução à ciência do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 404. 47 TARTUCE. loc. cit. 48 Id. 22 Outras decisões devem surgir, adequando-se a evolução social, sendo a multiparentalidade um caminho sem volta do Direito de Família Contemporâneo, consolidando cada vez mais a afetividade como princípio jurídico do sistema nacional.49 49 Id. 23 5. O SURGIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA Após a análise dos princípios supramencionados, não restam dúvidas de que a paternidade socioafetiva, para o direito brasileiro, tenha surgido a partir das disposições constitucionais. A filiação socioafetiva é a relação familiar construída a partir do afeto existente na relação entre seus membros, passando a ser protegida pela doutrina e pelo entendimento de que “pai é quem cria”. Nesse sentido, conforme Boeira: Entendemos que posse de estado de filho é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o 50 chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai. A paternidade socioafetiva é uma tradução da vida real, trazendo a tona uma nova visão sobre a paternidade alicerçada no convivência, no afeto e no amor. Manifestando-se a respeito da matéria, Maria Berenice Dias esclarece que: A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. A necessidade de manter a estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência 51 afetiva. Mais adiante, segue afirmando que: A coincidência genética deixou de ser fundamental na análise dos vínculos familiares. A paternidade não é só um ato físico, mas, principalmente, um fato de opção, extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou presumidamente biológicos, para adentrar com força e veemência na área 52 afetiva. Desse modo, conclui-se que a paternidade socioafetiva está alicerçada na posse do estado de filho, conceituada por José Bernardo Ramos Boeira como sendo: 50 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade: posse de estado de filho. Revistas dos Tribunais, São Paulo, 1999. p. 60. 51 DIAS, op. cit. p. 59. 52 Id. 24 Uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação 53 paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação de pai. Sobre o tema em debate, já teve a oportunidade de se manifestar a Ministra do STJ, Nancy Andrighi, que na oportunidade externou o seguinte entendimento: A posse do estado de filho, condição que caracteriza a filiação socioafetiva, reclama, para o seu reconhecimento, de sólida comprovação que a distinga 54 de outras situações de mero auxílio econômico, ou mesmo psicológico. Atualmente, o papel de pai na sociedade obteve intensa mudança, não sendo este apenas aquele que promove a manutenção do lar, embora seja de extrema necessidade, pois a proteção patrimonial deixou de ser único motivo para que seja caracterizada a paternidade, tornando-se a afetividade fator imprescindível nas relações entre pais e filhos. Para mais, analisando o conceito de paternidade socioafetiva a luz da CF/88, percebe-se que a consanguinidade não possui mais prevalência sobre a afetividade, sendo esta cada vez mais presente no Direito Brasileiro, visto que o afeto vem ganhando status constitucional. Ademais, a socioafetivadade tem se sobreposto a paternidade biológica no entendimento dos Tribunais. Destaca-se a forma com que vem se posicionando a jurisprudência. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNANEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações sociafetivas edificando na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. 2. No caso, as instâncias ordinárias reconhecem a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si 53 BOEIRA, José Bernardo Ramos. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família IBDFAM, Porto Alegre, v. 4, jul./set., 2002. p. 9. 54 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1189663/RS. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: R. D. Relora: Ministra Nancy Andrighi. 3ª Turma. Julgado em: 6 set. 2011. DJe: 15 set. 2011. 25 bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. 3. Recurso especial não provido. (STJ – Resp: 1059214 RS 2008/0111832-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 16/02/2012, T4 – QUARTA TURMA, Data 55 de Publicação: DJe 12/03/2012) FILIAÇÃO. ANULAÇÃO OU REFORMA DE REGISTRO. FILHOS HAVIDOS ANTES DO CASAMENTO, REGISTRADOS PELO PAI COMO SE FOSSE DE SUA MULHER. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA HÁ MAIS DE QUARENTA ANOS, COM O ASSENTIMENTO TÁCITO DO CÔNJUGE FALECIDO, QUE SEMPRE OS TRATOU COMO FILHOS, E DOS IRMÃOS. FUNDAMENTO DE FATO CONSTANTE DO ACÓRDÃO, SUFICIENTE, POR SI SÓ, A JUSTIFICAR A MANUTENÇÃO DO JULGADO. - Acórdão que, a par de reputar existente no caso uma “adoção simulada”, reporta-se à situação de fato ocorrente na família e na sociedade, consolidada há mais de quarenta anos. Status de filhos. Fundamento de fato, por si só suficiente, 56 a justificar a manutenção do julgado. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO. INTERESSE. EXISTÊNCIA.I(omissis). II Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva, devendo essa relação de fato ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família. III. O exercício de direito potestativo daquele que estabelece uma filiação socioafetiva, pela sua própria natureza, não pode ser questionado por seu filho biológico, mesmo na hipótese de indevida declaração no assento de nascimento da recorrida. Recurso não 57 provido. A partir da analise jurisprudencial e da evolução histórica das famílias e do surgimento efetivo do afeto no direito brasileiro, tem-se que a paternidade passou a ser analisada com mais ênfase sobre o aspecto afetivo do que sobre o aspecto consanguíneo, fazendo com que as relações de afetividade passassem a se sobrepor, inclusive, sobre a paternidade biológica. 5.1 REPERCUSSÃO GERAL 622 – STF 55 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.059.214. Recorrente: P. P. S. G. Recorrido: J. S. G. e outros. Relator Min: Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 16 fev. 2012. Data de Publicação: 12 mar. 2012. 56 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.167.993. Recorrente: Ministério Público Do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: C. G. S.e F. S. C. Interessado: A. L. Relator: Min. Luiz Felipe Salomão. Data de Julgamento: 18 dez. 2012. 57 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n º 1.244.957. Recorrente: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Recorrido: R. A B. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 7 ago. 2012. Data de Publicação: 27 set 2012. 26 No final de 2016, o STF julgou a Repercussão Geral 622, dando a possibilidade jurídica da multiparentalidade.58 O STF aprovou tese de grande relevância para o Direito de Família, traçando o sentido de parentalidade no âmbito jurídico brasileiro.59 O caso concreto julgado pelo Supremo se tratava de uma situação na qual se discutia o reconhecimento tardio de uma parentalidade biológica que não fora vivenciada, em substituição a uma parentalidade socioafetiva registrada e de fato vivenciada. O Tribunal Superior se manifestou a respeito da possibilidade de se reconhecer ambas as parentalidades concomitantemente.60 Conforme se extrai do referido julgamento, ainda que não haja lei expressa quanto a multiparentalidade no direito brasileiro, o STF afirmou essa possibilidade jurídica, visto que, no atual cenário da atualidade a possibilidade de pluralidade parental é uma realidade que exige acomodação jurídica.61 Ao decidir sobre a questão, em setembro de 2016 (quando a filha já estava com 33 anos de idade), o plenário do STF negou provimento ao Recurso Extraordinário proposto pelo pai biológico, reconhecendo a multiparentalidade. Por maioria, foi aprovado o voto do Ministro Relator Luiz Fux, o qual negava provimento ao pedido do pai biológico, mantendo a decisão das instâncias inferiores, a fim de reconhecer a paternidade biológica com todos os efeitos decorrentes. O voto do Relator deixava clara apossibilidae de reconhecer, de forma cumulada e concomitante, a paternidade biológica com a paternidade socioafetiva preexistente. O voto foi expresso ao manter ambas as paternidades ao mesmo tempo, sendo aprovado pela maioria dos Ministros.62 A referida Repercussão Geral, por maioria, houve por bem em aprovar a tese de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.63 58 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 898.060. Recorrente: A. N. Recorrido: F. G. Relator: Min. Luiz Fux. Data de Julgamento: 27 mai. 2019. 59 CALDERÓN, Ricardo Lucas. Multiparentalidade e Socioafetividade nos Laços de Filiação. Revista Jurídica da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, Ano 3, n. 2, ago. 2018. p. 2. 60 BRASIL. loc. cit. 61 Id. 62 Id. 63 Id. 27 5.2 AS PRINCÍPAIS PREMISSAS DO ACÓRDÃO Os primeiros fundamentos do voto vencedor referiu-se ao direito da busca da felicidade que, para o Min. Luiz Fux, estaria presente a partir do princípio da dignidade da pessoa humana: Em estreita conexão com a dignidade humana, dela derivando ao mesmo passo que constitui o seu cerne, apresenta-se o denominado direito à busca da felicidade. Se a referência a este direito é relativamente recente no Brasil, a sua origem remonta ao próprio surgimento do conceito moderno de 64 Constituição. O Ministro Relator ainda destacou a utilidade do direito a busca da felicidade para as questões familiares: Transportando-se a racionalidade para o Direito de Família, o direito à busca da felicidade funciona como um escudo do ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré- concebidos pela lei. É o direito que deve se curvar às vontades e necessidades das pessoas, não o contrário, assim como um alfaite, ao deparar-se com uma vestimenta em tamanho inadequado, faz ajustes na 65 roupa, e não no cliente. Um dos precursores a discorrer sobre o tema é Mario Luiz Delgado, com o entendimento de que: A felicidade, em si, não é um direito, mas um estado de espírito. Não se pode transferir a ninguém o ônus de alcançá-lo ou a responsabilidade pela sua frustração. Mas a todos assiste um direito à busca desse estado emotivo. A Constituição nos assegura o direito de buscar a felicidade e ninguém pode obstar essa busca, sob pena de cometer ato ilícito. (...) Para o Direito, a felicidade, além de sentimento, é igualmente um valor jurídico, ou seja, um valor com força normativa, posto que veiculado através de um princípio constitucional (o da busca da felicidade), como veremos no tópico seguinte. Em outras palavras, e de forma muito sintética: “felicidade” é o 66 valor, enquanto a “busca da felicidade” é a norma (...). Segundo Mario Luiz Delgado, a contribuição do direito à busca da felicidade, ainda que não pareça essencial para as conclusões centrais do acórdão, será objeto 64 Id. 65 Id. 66 DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coord.). Os Grandes Temas de Direito Civil nos 15 Anos do Código Civil. IASP. São Paulo, 2017. 28 de grande debate doutrinário e jurisprudencial, em especial no que tange a sua juridicidade e ao seu sentido jurídico.67 5.2.1 O Provimento 63 do CNJ Em 14 de novembro de 2017, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, editou o Provimento nº 63, dispondo, além de outras providências, o reconhecimento voluntário e a averbação da filiação socioafetiva nos órgãos oficiais de registro civil, em todo território brasileiro, além de reconhecer a multiparentalidade. O Corregedor Nacional de Justiça, Ministro João Otávio Noronha, reconheceu a parentalidade socioafetiva com amparo legal nos artigos 1º, III; 227, caput, e §6º da CF/88; 1.593 e 1.596 do CC/02, além do artigo 4º do ECA, na jurisprudência e na doutrina, admitindo a uniformização do procedimento, entendendo pelo reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva, nesse sentido: (...) a existência de diversos provimentos editados pelos Tribunais de Justiça dos estados da federação, sem a respectiva orientação geral por parte dessa Corregedoria Nacional de Justiça pode suscitar dúvidas e ameaçar a segurança jurídica dos atos de reconhecimento de paternidade 68 registrados perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg/BR, se manifestou no sentido de defender a regulamentação do reconhecimento voluntário de filiação socioafetiva diretamente junto aos oficiais de registro civil e, também, a uniformização e padronização das orientações já editadas pelos Tribunais de Justiça. 5.2.2 Disposições do Provimento nº 63/17 O reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva é voluntário, livre, espontâneo e incondicional, conforme prevê o artigo 10, in verbis: “Art.10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais”. 67 Id. 68 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Plenário. Pedido de Providências nº 0002653- 77.2015.2.00.0000. Relator: Min. João Otávio de Noronha. Data de julgamento: 14 mar. 2017. 29 Com a intenção de desafogar o judiciário, o provimento manifesta a autonomia privada e o princípio da mínima intervenção do Estado no planejamento familiar, porém, dispõe sobre algumas exigências para que seja realizado o registro pelo afeto: a) o requerente ser maior de 18 anos (independentemente do estado civil); b) o requerente não ser ascendente ou irmão do pretenso filho; c) a diferença de idade entre o requerente e o pretenso filho tem que ser igual ou maior que 16 anos; d) o pedido pode ser realizado em outra localidade diversa de onde foi lavrada a certidão de nascimento; e) consentimento expresso e pessoal da mãe e do pai; f) se o filho for maior de 12 anos, também é necessário seu consentimento; g) declaração das partes acerca de desconhecimento de discussão sobre a referida filiação. Destaca-se que alguns requisitos foram previstos por analogia ao procedimento de adoção previsto do Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme manifestou o corregedor-geral, no sentido de que diante da ausência de lei a respeito dessa questão não vislumbra impedimento de que o seja acolhido, privilegiando os princípios da proteção integral da criança e adolescente e o da segurança jurídica.69 No mesmo sentido, o reconhecimento extrajudicial dependerá, ainda, do consentimento do filho, se este for maior de 12 anos. Ainda, o reconhecimento é irrevogável, o que impõe os direitos e deveres entre pais e filhos, sem qualquer distinção do tipo de filiação, em respeito aos princípios fundamentais acima expostos. Para o reconhecimento socioafetivo voluntário é indispensável a livre vontade, sem que haja a presença de vícios, má-fé, fraude, simulação ou falsificação, podendo, dessa forma, o registrador negar-se a realizar o registro e encaminhar o caso para o juiz competente. Para o corregedor-geral, o reconhecimento extrajudicial deve realizar comprovação de que a relação de filiação socioafetiva tenha se construído através de vínculo baseado no amor e no cuidado, objetivando evitar fraudes. 69 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Plenário. Pedido de Providências nº 0002653- 77.2015.2.00.0000. Relator: Min. João Otávio de Noronha. Data de julgamento: 14 mar. 2017. 30 No entanto, o reconhecimento não poderá ser realizado voluntariamente em cartório se os requerentes tiverem processos judiciais de reconhecimento de paternidade ou procedimento de adoção, conforme o artigo 13, pois, nessas hipóteses o reconhecimento deve ser encaminhado diretamente para as vias judiciais. 5.3 O RECONHECIMENTO SOCIOAFETIVO EXTRAJUDICIAL O ápice do provimento 63, se refere a previsão do reconhecimento da multiparentalidade, considerando a repercussão geral do STF já acima detalhada, que assentou que “em paralelo à filiação biológica, demanda igual proteção jurídica o vínculo de parentalidade construído apenas a partir do afeto”. O artigo 14 dispõe que: “O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo filiação no assento de nascimento”. A tese da multiparentalidade é reforçada pelo artigo 11, §3º: Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação. [...] §3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher 70 a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor. Por fim, constata-se que para que ocorra o reconhecimento extrajudicial é necessário que sejam apresentadas provas documentais, como fotos por exemplo, que sejam suficientes a comprovar a relação afetiva existente entre as partes, de maneira inequívoca. 70 Id. 31 6. AS (IM)POSSIBILIDADES DE DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA Nesse ponto, faremos uma análise sobre as (im)possibilidades da desconstituição da paternidade socioafetiva, buscando compreender os fundamentos contrários e favoráveis do assunto em discussão, visto que no ordenamento jurídico ainda existem dúvidas quanto à questão. 6.1 A DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA Como acima exposto, a paternidade socioafetiva é o reconhecimento do vínculo gerado pelo afeto entre o pai e o filho, também pode ocorrer entre mãe e filho, não existindo diferenças entre o filho biológico e filho socioafetivo, deixando de lado a presunção de paternidade e dando a verdadeira importância ao afeto diante das relações familiares. Existindo casos em que, inclusive, a paternidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade biológica. Para melhor analisar as (im)possibilidades de desconstituição, é importante entendermos o significado da Ação Negatória de Paternidade, a qual possui como finalidade a desconstituição do vínculo biológico, geralmente, cumulada com o pedido de retificação do registro civil, isso porque o pai, no momento do registro, acreditava ser o pai biológico e, posteriormente, toma conhecimento que não possuía vínculo biológico. Apesar de haver “certo consenso” quanto ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, ainda existem divergências quanto às possibilidades de sua desconstituição. No entanto, tendo em vista a complexidade, os casos devem ser analisados de forma isolada, levando em consideração que cada caso possui questões específicas que interferem efetivamente no julgamento, bem como provas capazes de comprovar a existência de erro ou de efetivo desconhecimento quanto ao vínculo biológico no ato do registro, a inexistência de vínculo afetivo presente entre pai e filho. De acordo com Diniz, a presunção de paternidade não é juris et de jure ou absoluta, mas juris tantum ou relativa, no que concerne ao pai, que pode elidi-la, provando o contrário. Essa ação negatória de paternidade é de ordem pessoal, sendo privativa do marido, pois só ele tem legitimatio ad causam para propô-la (CC, 32 art. 1.601, caput) a qualquer tempo.71 Portanto, a ação de negatória de paternidade é imprescritível e personalíssima, somente o pai pode propor, como dispõe o Art. 1.601 do Código Civil de 200272 “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”. A seguir, iremos analisar os argumentos e fundamentos utilizados para propor o pedido de negatória de paternidade. 6.2 AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE Nas Ações Negatórias de Paternidade, se questiona a possibilidade de uma pessoa que registrou um filho como seu, sem possuir o conhecimento de que não o era, em decorrência de vício do consentimento, por exemplo, buscar na justiça a nulidade do reconhecimento voluntário por ele realizado. No entanto, não desconsiderando o alto grau de certeza que possui o exame de DNA, esta prova de relação biológica não deve ser a única a ser levada em consideração pelo magistrado ao julgar casos de desconstituição de paternidade socioafetiva. Apesar de não haver relação biológica, está claro, em alguns casos, que se faz presente a relação afetiva e social. A partir desse momento, restou formado o vínculo paterno-filial, o qual não pode ser desconstituído por mera vontade do autor, como dispõe Farias e Rosenvald: Pretende-se dizer que mesmo merecendo prestígio a prova pericial técnica em DNA, por seu grau de determinabilidade e precisão, não se pode chegar ao limite de torná-la divina ou sagrada – o que tornaria simplesmente figurativa a atividade do juiz. Ademais, não menos merecedora de respeito e prestígio é a prova da existência de um vínculo social e afetivo, preservando valores ético e culturais e resguardando a própria dignidade das pessoas envolvidas. Daí a chamada dessacralização da prova de DNA, impondo-se ao magistrado, em cada caso, um adequado juízo de valor, ponderando todos os elementos de prova colhidos, de modo a verificar, com 73 profundidade e cuidado, a determinação do estado filiatório. Existe, inclusive, a possibilidade dessa conduta ser caracterizada como abuso de direito, na medida em que uma pessoa que registra um filho e cuida dele com tal, dando amor, carinho e atenção, criando uma confiança afetiva e parental entre 71 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de família. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 5. p. 493. 72 BRASIL. 2002. art. 1061. 73 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 509. 33 ambos, não pode, repentinamente, decidir negar esse estado de filiação, sob pena de estar realizando um comportamento contraditório, como afirmam, mais uma vez, os autores supracitados: Fundamenta-se a vedação de comportamento contraditório, incoerente, na tutela jurídica da confiança, impedindo que seja possível violar as legítimas expectativas despertadas em outrem. A confiança, por seu turno, decorre da cláusula geral de boa-fé objetiva (bem definida pela doutrina germânica como Treu und Glauben, isto é, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes). Assim, a tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da 74 confiança, por meio da incoerência. No mesmo sentido, assevera Lobo (...) a contestação da paternidade não pode ser decisão arbitrária do marido, quando declarou no registro que era seu o filho que teve com a mulher, em virtude do princípio venire contra factum proprium nulli conceditur. A contestação, neste caso, terá de estar fundada em hipótese de invalidade dos atos jurídicos, que o direito acolhe, tais como erro, dolo, 75 coação. Existem alguns requisitos a serem observados ao se tratar de ação negatória de paternidade, dentre outros, a inexistência da origem biológica e a inexistência de relação sociafetiva, ou seja, é imprescindível que fique demonstrado que o pai registral não tornou-se pai afetivo, isso porque as ações negatórias de paternidade vão muito além da retificação do registro civil, pois trata-se da construção da identidade da criança, da dignidade e respeito ao desenvolvimento desta, tendo em vista que ao reconhecer como pai aquele que o registrou, descaracterizar a relação construída pode acarretar efetiva lesão aos interesses e direitos fundamentais do menor. Por esse motivo, como já exposto, é imprescindível a análise específica de cada caso, levando em consideração a relação afetiva que fora criada, o tempo de convivência entre as partes, o reconhecimento social da paternidade que se pretende desconstruir e, principalmente, os riscos aos quais se expõe o menor interessado. Dito isso, inegável que, ainda que o exame de DNA seja prova incontestável da inexistência de vínculo biológico, este não é, nem de longe, suficiente para 74 Ibid. p. 510 – 511. 75 LOBO, Paulo Luiz. Direito civil: famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 34 descaracterizar uma paternidade socioafetiva construída ao longo do tempo. Além da necessidade de provas robustas de que o registro fora realizado por meio de vício no consentimento, coação ou fraude, é necessário que se demonstre, efetivamente, que a relação afetiva não fora constituída, ou que esta fora cessada no imediato momento em que se desconfiou ou se obteve conhecimento do erro ocorrido no ato de registrar o menor, sendo o tempo elemento de suma importância na analise da existência ou não de vínculo afetivo. Destaca-se que a ação negatória de paternidade é ação de rito ordinário, compete exclusivamente ao pai que pretende contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher ou ex mulher, ainda que tal paternidade conste do registro civil das pessoas naturais. As ações negatórias de paternidade baseiam-se no vício do consentimento, geralmente pelo desconhecimento do pai quanto a relações havidas fora do casamento por parte da mulher, de modo que, ao registrar a criança, acreditava ser pai biológico, porém, como já demonstrado, o fato de desconhecer, no ato do registro, a origem biológica da criança não é fator primordial para basear decisões judiciais, sendo a relação criada entre aquele que registrou e o menor o fator de maior relevância nos casos em que se pretende buscar a desconstituição da paternidade. Toda a análise realizada para que se decida se existe a possibilidade ou não de desconstituir a paternidade afetiva estabelecida a partir do nascimento e do registro civil gira em torno do melhor interesse da criança, tendo em vista que esta não pode sofrer as consequências dos atos e dos interesses pessoais dos pais, devendo, portanto, ser garantido ao menor seu pleno desenvolvimento e o respeito a sua dignidade, honra, identidade, entre todos os demais direitos fundamentais a ele garantidos. Resta claro, portanto, que as ações negatórias de paternidade necessitam, em sua integralidade, da comprovação da inexistência da relação afetiva entre aquele que realizou o registro e aquele que fora registrado, ou seja, ainda que seja demonstrada a coação, dolo, simulação, ou vício no consentimento, é imprescindível a comprovação de que não fora estabelecido um vínculo socioafetivo entre o pai e o menor, pois, é necessário que o julgador aprecie as controvérsias com prudência para que o Poder Judiciário não venha a prejudicar a criança pelo mero capricho de um adulto que, livremente, a tenha reconhecido como filho em ato público e, posteriormente, por motivo vil, pretenda “livrar-se do peso da paternidade”. 35 Portanto, necessário se faz demonstrar os casos concretos de procedência e improcedência das ações negatórias de paternidade, bem como os motivos pelos quais estas chegaram aos seus respectivos resultados. É o que se irá verificar a seguir 6.3 ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS Assim como qualquer outra nova questão para o Direito, a paternidade socioafetiva e todos os seus desdobramentos, foram ganhando espaço no nosso ordenamento aos poucos. Primeiramente, utilizava-se como prova o estabelecimento da filiação, caminhando em passos para a posse de estado de filho, que hoje é visto como elemento importante para solução do conflito. Quanto ao ajuizamento de ação de reconhecimento de paternidade sócioafetiva se faz necessário comprovar a inexistência de vínculo afetivo entre pai e filho, cumprindo os requisitos já acima mencionados, havendo incontestáveis provas dos fatos. Vejamos: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE O VÍNCULO BIOLÓGICO. DEMONSTRADA A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, PELO PRÓPRIO DEPOIMENTO DA INVESTIGANTE, POSSÍVEL O JULGAMENTO DO FEITO NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA, SENDO DESNECESSÁRIA A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA OU INQUIRIÇÃO DE OUTRAS TESTEMUNHAS, QUE NÃO PODERÃO CONDUZIR À OUTRA CONCLUSÃO SENÃO DA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS E RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível N° 70015562689, Sétima Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, 76 Julgado em 28/02/2007. No caso acima exposto, a improcedência se deu com base na ausência de provas suficientes para que se demonstrasse a existência de vício na vontade para anular o registro civil. Ainda que o autor da ação afirmasse não ter mantido vínculo biológico com o menor, este não comprovou a efetiva existência de vício no ato do registro. Para mais, em avaliação psicológica realizada no réu, revelou que este 76 RIO GRANDE DO SUL (Estado). Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 70046304689. Apelante: L. C. F. S. Apelado: W. D. S. Relator: Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro. Data de Julgamento: 28 mar. 2012. Data de Publicação: 2 abr. 2012. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21815993/apelacao-civel-ac-70046304689- rs-tjrs/inteiro-teor-21815994>. Acesso em: 1 nov. 2020. 36 possui o autor como sua figura paterna, ainda, que mantém esperanças de que o mesmo o aceite como filho. Destaca-se o voto da relatora Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro: Além disso, optou por reconhecer a paternidade do Wélerson passados 8 meses de seu nascimento, fato que gerou na criança consequências, internalizando a figura de Luiz Carlos como seu pai, e tendo esperança que um dia seu pai o procure. No mais, os tribunais têm reconhecido igualdade entre os diversos tipos de filiação ou paternidade, assim, impõe-se a solução que vá ao encontro dos princípios constitucionais da pessoa, solidariedade humana e maior interesse na manutenção de vínculo da parentalidade sociológica. Até porque, in casu, encontram-se presentes elementos que configuram a posse de estado de filho, quais sejam: registro, nome e trato. Pode-se verificar que a fundamentação da relatora ao julgar improcedentes os pedidos do autor se deram com base na existência do registro, nome e trato, ou seja, ao registrar o menor 8 (oito) meses após o seu nascimento, o autor fez com que o mesmo passasse a reconhece-lo como pai, que mantivesse ao longo da vida o autor como figura paterna, bem como a esperança de que um dia este o reconheça de fato como filho, conforme consta no registro civil. Para mais, extrai-se do caso exposto que o autor não produziu provas suficientes da existência de vício no consentimento ao realizar o registro do menor, fator imprescindível para que seja desconstituída a paternidade estabelecida pelo registro civil, que é irrevogável, ainda que os filhos tenham sido concebidos fora do casamento, conforme estabelece o artigo 1.609 do Código Civil. Sobre os casos de desconstituição da paternidade socioafetiva, o entendimento majoritário do STJ é no sentindo de não permitir essa desconstituição, levando em consideração o prejuízo que isso iria causar para a criança. Vejamos: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. RELAÇÃO SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO: ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1.604 e 1.609 do Código Civil. 1. Ação negatória de paternidade, ajuizada em fevereiro de 2006. Recurso especial concluso ao Gabinete em 26.11.2012. 2. Discussão relativa à nulidade do registro de nascimento em razão de vício de consentimento, diante da demonstração da ausência de vínculo genético entre as partes. 3. A regra inserta no caput do art. 1.609 do CC-02 tem por escopo a proteção da criança registrada, evitando que seu estado de filiação fique à mercê da volatilidade dos relacionamentos amorosos. Por tal razão, o art. 1.604 do mesmo diploma legal permite a alteração do assento de nascimento excepcionalmente nos casos de comprovado erro ou falsidade do registro. 4. Para que fique caracterizado o erro, é necessária 37 a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar. 5. Inexiste meio de desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquele que, um dia declarou perante a sociedade, em ato solene e de reconhecimento público, ser pai da criança, valendo-se, para tanto, da verdade socialmente construída com base no afeto, demonstrando, dessa forma, a efetiva existência de vínculo familiar. 6. Permitir a desconstituição de reconhecimento de paternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. 7. Recurso 77 especial desprovido. No caso acima apresentado, observa-se que além da ausência de provas da existência de erro, o pai, no ato do registro, possuía o conhecimento de que poderia não ser pai biológico da menor, ou seja, o registro ocorreu de forma voluntária devido ao afeto e amor presentes entre pai e filha, além do fato de que no meio social, apresentava-se como pai da menor. Se pode verificar que o STJ levou em consideração o melhor interesse da criança e a preservação da sua dignidade, protegendo sua história, os seus laços afetivos, assim sendo, neste caso, o STJ entendeu por não haver a necessidade de retificar o seu registro de nascimento, demonstrando que, quando existe o vínculo afetivo o melhor para o filho é a preservação da paternidade, visto todo prejuízo que ele pode ter por um erro que não deu causa. Os votos da Ministra Nancy Andrghi se deram nos seguintes termos: (...) incontroverso o fato de que o pai dos recorrentes registrou espontaneamente B.B.B., embora pudesse ter dúvidas acerca da paternidade, que, ao final, acabou sendo excluída mediante a realização de exame genético. A regra inserta no caput do art. 1.609 do CC-02 tem por escopo a proteção da criança registrada, evitando que seu estado de filiação fique à mercê da volatilidade dos relacionamentos amorosos. Por tal razão, o art. 1.604 do mesmo diploma legal permite a alteração do assento de nascimento excepcionalmente nos casos de comprovado erro ou falsidade do registro. A decisão acima demonstrada apresenta todos os elementos estudados nesse trabalho. O pedido de desconstituição da paternidade foi recusado, visto que considerou a existência de vínculo sólido entre o pai e a criança que, inclusive, o 77 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1383408. Recorrente: I. D. B. S. e Outro. Recorrido: B. B. B. Relator: Min. Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 15 mai. 2014. Data de Publicação: 30 mai. 2014. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2020. 38 reconhece como seu pai, e manifesta a vontade em continuar com esta relação. Fora considerado, ainda, que seria extremamente prejudicial para a personalidade dessa criança romper esse laço após longo período de tempo. Cumpre, por fim, demonstrar casos em que a ação negatória de paternidade fora julgada procedente, levando em consideração a comprovação da existência de erro, bem como a inexistência de vínculo afetivo entre o pai registral e a criança. Vejamos: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. 1. PREFACIAL. PRINCÍPIOS DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA NA CONTESTAÇÃO E DA ADSTRIÇÃO. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. EMENDA DA INICIAL, AQUIESCIDA PELA PARTE REQUERIDA, COM REITERAÇÃO DAS MATÉRIAS DE DEFESAS DESENVOLVIDAS NO CURSO DO PROCESSO. 2. MÉRITO. DECLARANTE, SOB A PRESUNÇÃO PATER IS EST, INDUZIDO A ERRO. VERIFICAÇÃO. RELAÇÃO DE AFETO ESTABELECIDA ENTRE PAI E FILHO REGISTRAIS CALCADA NO VÍCIO DE CONSENTIMENTO ORIGINÁRIO. ROMPIMENTO DEFINITIVO. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Afigura-se absolutamente estéril a discussão afeta à observância ou não dos princípios da eventualidade e da adstrição, notadamente porque a tese de paternidade socioafetiva, não trazida inicialmente na contestação, mas somente após o exame de DNA, conjugada com a também inédita alegação de que o demandante detinha conhecimento de que não era o pai biológico quando do registro, restou, de certo modo, convalidada no feito. Isso porque o autor da ação pleiteou a emenda da inicial, para o fim de explicitar o pedido de retificação do registro de nascimento do menor, proceder aquiescido pela parte requerida, que, posteriormente, ratificou os termos de sua defesa como um todo desenvolvida no processo. 2. A controvérsia instaurada no presente recurso especial centra- se em saber se a paternidade registral, em desacordo com a verdade biológica, efetuada e declarada por indivíduo que, na fluência da união estável estabelecida com a genitora da criança, acredita, verdadeiramente, ser o pai biológico desta (incidindo, portanto, em erro), daí estabelecendo vínculo de afetividade durante os primeiros cinco/seis anos de vida do infante, pode ou não ser desconstituída. 2.1. Ao declarante, por ocasião do registro, não se impõe a prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O assento de nascimento traz, em si, esta presunção, que somente pode vir a ser ilidida pelo declarante caso este demonstre ter incorrido, seriamente, em vício de consentimento, circunstância, como assinalado, verificada no caso dos autos. Constata-se, por conseguinte, que a simples ausência de convergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica, por si, não autoriza a invalidação do registro. Ao marido/companheiro incumbe alegar e comprovar a ocorrência de erro ou falsidade, nos termos dos arts. 1.601 c.c 1.604 do Código Civil. Diversa, entretanto, é a hipótese em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e expressamente declara o ser perante o Oficial de Registro das Pessoas Naturais ("adoção à brasileira"), estabelecendo com esta, a partir daí, vínculo da afetividade paterno-filial. A consolidação de tal situação (em que pese antijurídica e, inclusive, tipificada no art. 242, CP), em atenção ao melhor e prioritário interesse da criança, não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a verdade biológica. Jurisprudência consolidada do STJ. 2.2. A filiação socioativa, da qual a denominada adoção à brasileira consubstancia espécie, detém integral 39 respaldo do ordenamento jurídico nacional, a considerar a incumbência constitucional atribuída ao Estado de proteger toda e qualquer forma de entidade familiar, independentemente de sua origem (art. 227, CF). 2.3. O estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. É dizer: as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação, se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte daquele que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe daquela criança. Portanto, a higidez da vontade e da voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai, daquele que despende afeto e carinho a outrem, consubstancia pressuposto à configuração de toda e qualquer filiação socioafetiva. Não se concebe, pois, a conformação desta espécie de filiação, quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento. Na hipótese dos autos, a incontroversa relação de afeto estabelecida entre pai e filho registrais (durante os primeiros cinco/seis anos de vida do infante), calcada no vício de consentimento originário, afigurou- se completamente rompida diante da ciência da verdade dos fatos pelo pai registral, há mais de oito anos. E, também em virtude da realidade dos fatos, que passaram a ser de conhecimento do pai registral, o restabelecimento do aludido vínculo, desde então, nos termos deduzidos, mostrou-se absolutamente impossível. 2.4. Sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira. Como assinalado, a filiação sociafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, circunstância, inequivocamente, ausente na hipótese dos autos. Registre-se, porque relevante: Encontrar-se- ia, inegavelmente, consolidada a filiação socioafetiva, se o demandante, mesmo após ter obtido ciência da verdade dos fatos, ou seja, de que não é pai biológico do requerido, mantivesse com este, voluntariamente, o vínculo de afetividade, sem o vício que o inquinava. 2.5. Cabe ao marido (ou ao companheiro), e somente a ele, fundado em erro, contestar a paternidade de criança supostamente oriunda da relação estabelecida com a genitora desta, de modo a romper a relação paterno-filial então conformada, deixando-se assente, contudo, a possibilidade de o vínculo de afetividade vir a se sobrepor ao vício, caso, após o pleno conhecimento da verdade dos fatos, seja esta a vontade do consorte/companheiro (hipótese, é certo, que não comportaria posterior alteração). 3. Recurso Especial provido, para 78 julgar procedente a ação negatória de paternidade. Por fim, no caso em comento ocorreu que o pai, quando do registro, acreditava ter vínculo biológico com a criança, porém, após seis anos de convivência, descobriu a realidade quanto à filiação biológica e rompeu imediatamente o vínculo com a mesma. Observa-se o que ensina o voto do Ministro Relator Marco Aurélio Belizze: 78 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1330404. Recorente: J. A. C. D. A. S. Recorrido: L. E. G. D. A. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Data de Julgamento: 5 fev. 2015. Data de Publicação: 19 fev. 2015. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2020. 40 Em agosto de 2006, realizado o exame genético, o correlato laudo pericial excluiu, peremptoriamente, a paternidade biológica de J. A. C. da S. em relação à L. E. G. da S., termo a partir do qual o autor da ação não mais estabeleceu qualquer contato com o infante, que, atualmente, conta com quinze anos de idade. Assim delimitados os fatos, há que se permitir a pretendida desconstituição da paternidade registral, levada a efeito pelo declarante exclusivamente porque, induzido a erro, reputou ser o genitor da criança, supostamente fruto da união estável então estabelecida com a mãe desta. O STJ entendeu que o pai foi induzido ao erro, e manifestamente não tem a intenção de exercer a função de pai na vida do menor, ainda, entende que, após a ruptura, não houve mais qualquer contato entre eles, cortando os laços e, assim sendo, após oito anos da ruptura, não existem motivos para rever o vínculo. Analisando os julgados, se pode verificar que existe similitude nas decisões a respeito da afetividade. Muitos consideram como elemento primordial para o reconhecimento ou desconstituição da afetividade o vínculo sólido entre as partes. Além disso, ainda existem julgados que não levam em consideração os efeitos que a desconstituição do vínculo pode gerar nos filhos. Dessa forma, cabe ao julgador, analisar cada caso de forma isolada, ponderar os fatos e buscar o melhor para ambos, levando em consideração o direito do pai, mas jamais deixando de lado o interesse da criança e a garantia dos direitos desta. Portanto, restou demonstrado que para que seja possível desconstituir a paternidade existente através do registro civil devem ser apresentadas provas robustas da existência de vício no consentimento ao ato do registro, além disso, como requisito principal, se deve comprovar de maneira clara que os laços socioafetivos são inexistentes, que a criança não tem aquele que a registrou como figura paterna, ou que não seja esse o reconhecimento social decorrente do tempo de convivência e amor existente entre as partes, pois, como exaustivamente exposto, a honra, dignidade, o pleno desenvolvimento, a identidade, entre todos os direitos fundamentais da criança devem servir como alicerce para se chegar a uma conclusão quanto ao provimento ou não da ação negatória de paternidade, pois a melhor forma de se traduzir uma sociedade é observar a maneira com que esta trata suas crianças. 41 7. CONCLUSÃO O presente trabalho teve como início a analise da evolução histórica do direito de família brasileiro no que diz respeito a filiação, até o momento em que a afetividade fora surgindo no âmbito do direito brasileiro, deixando de ser a consanguinidade requisito único e exclusivo para o reconhecimento de um filho. No que tange ao reconhecimento de um filho afetivo, restou demonstrado que o direito se viu “obrigado” a regulamentar as formas e os requisitos necessários para que seja promovido o reconhecimento socioafetivo de um filho, inclusive, facilitando esse reconhecimento com a extrajudicialização, não sendo mais necessário propor ação judicial para tal, sendo possibilitado o registro de um filho afetivo por meio de cartórios de registro civil, desde que sejam apresentadas provas robustas de que a afetividade de fato esta estabelecida entre o pai registral e o filho. Desta feita, pode-se notar que o carinho, o amor e o afeto passaram a ser efetivamente ingressados no direito de família e, principalmente, na Constituição Federal como forma de se estabelecer vínculo familiar. Noutro lance, restou analisado que o que se leva em consideração quando se fala de paternidade sociafetiva é, principalmente, a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança, inclusive, se concretizando o entendimento de que uma vez realizado o registro de um filho afetivo de maneira voluntária não é possível desconstituir essa paternidade, não podendo o mero arrependimento ser motivo para se requerer a desconstituição. Para mais, restou analisado que, em regra, não é possível se desconstituir o reconhecimento da paternidade socioafetiva, porém, existem casos em que essa desconstituição é permitida.. Quando o registro socioafetivo de um filho é realizado por meio de erro, coação ou vício do consentimento, por exemplo, existe a possibilidade de desconstituição, desde que seja efetivamente comprovado que no ato do registro ocorreu vício. Ainda destaca-se que o erro, a coação e o vício do consentimento, ainda que estejam presentes, não são motivos únicos e exclusivos para que se promova a desconstituição da paternidade socioafetiva e a retificação do registro civil, de modo que, a comprovação de que inexiste o vínculo socioafetivo entre o pai registral e o filho é requisito indispensável. 42 Contudo, ainda que um exame de DNA comprove que de fato inexiste vínculo biológico e que existam provas de que o registro ocorreu por vício do consentimento, é necessário comprovar que inexiste qualquer vínculo afetivo entre o pai registral e o filho, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana, visto que, se para o filho aquele que o registrou é, para si e para a sociedade, reconhecido como pai, tendo sido estabelecido um vínculo afetivo ao longo do tempo, a desconstituição da paternidade não será possível. Portanto, resta comprovado que a afetividade, o amor e o carinho, atualmente, são efetivamente levados em consideração para o direito brasileiro para que seja estabelecido o vínculo paternal, e assim sendo, a presença da afetividade, ainda que inexista vínculo biológico é requisito primordial para se constituir ou desconstituir a filiação. 43 REFERÊNCIAS ASCENSÃO, José de Oliveira. Introdução à ciência do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. BOEIRA, José Bernardo Ramos. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família IBDFAM, Porto Alegre, v. 4, jul./set., 2002. BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade: posse de estado de filho. Revistas dos Tribunais, São Paulo, 1999. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Plenário. Pedido de Providências nº 0002653-77.2015.2.00.0000. Rel. Min. João Otávio de Noronha Julgado em: 14 mar. 2017. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. 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