UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA FRANCIELE VILLA DE ARAUJO GROMOVSKI O DIREITO SUCESSÓRIO DO CONCEBIDO POST MORTEM Florianópolis 2010 FRANCIELE VILLA DE ARAUJO GROMOVSKI O DIREITO SUCESSÓRIO DO CONCEBIDO POST MORTEM Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel. Orientador: Profa. Emiko Liz Pessoa Ferreira. Florianópolis 2010 FRANCIELE VILLA DE ARAUJO GROMOVSKI O DIREITO SUCESSÓRIO DO CONCEBIDO POST MORTEM Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. Florianópolis, 14 de junho de 2010. ______________________________________________________ Professora e orientadora Emiko Liz Pessoa Ferreira Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Professora Gisele Rodrigues Martins Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Professor Regis Schneider Ardenghi Universidade do Sul de Santa Catarina TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE O DIREITO SUCESSÓRIO DO CONCEBIDO POST MORTEM Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a Orientadora de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico. Florianópolis (SC), 14 de junho de 2010. _________________________________ Franciele Villa de Araújo Gromovski Este trabalho é dedicado aos meus pais, Anildo e Neusa, que me deram oportunidade de estudar e de hoje estar me formando e ao meu marido, Nelso, por todo amor e compreensão. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço aos meus pais, Anildo Souza de Araújo e Neusa Villa, pelo esforço e apoio que sempre dispensaram a mim, pois graças a isso estou concluindo o meu curso universitário. Agradeço em especial ao meu marido, Nelso Gromovski, por todo amor, compreensão e paciência tanto na vida pessoal quanto na acadêmica, sempre me apoiando e orientando-me a trilhar o melhor caminho. Muito obrigado. A minha orientadora, Dra. Emiko Liz Pessoa Ferreira, a qual tive o prazer de ter como professora, pela confiança depositada ao me aceitar como orientada. Aos advogados do Banco do Brasil meu carinho e agradecimento pelo tempo que lá estagie, e por tudo que aprendi. Aos meus amigos, em especial ao Fabio Santo, Wagner Morreira, Claudia Marques e Aline Carqueijo, com quem sempre dividi minhas dificuldades e alegrias acadêmicas, minha eterna gratidão. Por fim, a todos aqueles que estiveram ao meu lado no transcurso desta jornada acadêmica, meu obrigado. Sentirei saudades. “A dignidade deixou de ser uma questão filosófica para se tornar uma questão social.” (Rodrigo da Cunha Perreira) RESUMO O presente trabalho pretende analisar a possibilidade de um filho concebido por inseminação artificial post mortem ter direitos sucessórios, visto que é um tema polêmico não estando ainda, pacificado na doutrina e na jurisprudência. O Código Civil confirmou a paternidade do rebento nascido por meio de inseminação póstuma, porém não tomou o mesmo cuidado ao tratar do direito sucessório. O disposto no Código Civil vai de encontro com alguns princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, igualdade plena entre os filhos e o melhor interesse da criança. Com as lacunas deixadas pelo Código Civil e a falta de legislação específica sobre as técnicas de reprodução assistida, a solução encontrada é a utilização dos preceitos constitucionais para resolver eventuais problemas decorrentes da realização de tais técnicas. Palavras-chave: Reprodução Assistida. Direito Sucessão; Princípios Constitucionais, Reprodução Humana Assistida Post Mortem. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................10 2 O INSTITUTO DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA ...................................12 2.1 A REPRODUÇÃO NATURAL E ARTIFICIAL HUMANA......................................12 2.2 ESTERILIDADE CONJUGAL...............................................................................13 2.2.1 A Esterilidade na historia ...............................................................................14 2.2.2 Causas da esterilidade ....................................................................................16 2.3 A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL NA HISTORIA.....................................................17 2.3.1 As principais técnicas de reprodução humana m edicamente assistida ...19 2.3.1.1 A reprodução humana assistida através da inseminação artificial (IA)..........19 2.3.1.2 A reprodução humana assistida através da fertilização in vitro (FIV) ou fivete...........................................................................................................................21 2.3.1.3 Transferência intratubária de gametas (GIFT)...............................................22 2.3.1.4 Transferência intratubária de zigotos (ZIFT)..................................................22 2.3.1.5 A reprodução humana através da gestação substituta..................................23 2.4 AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO LEGAL REFERENTES ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA......................................................................................25 3 O DIREITO SUCESSÓRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............................................................................................................27 3.1 FUNDAMENTOS LEGAIS....................................................................................27 3.2 O DIREITO SUCESSÓRIO NO CODIGO CIVIL..................................................27 3.2.1 A transmissão da herança ..............................................................................27 3.2.2 Capacidade sucessória ...................................................................................29 3.2.3 Espécies de sucessão hereditária .................................................................30 3.2.3.1 Sucessão legitima..........................................................................................31 3.2.3.2 Sucessão testamentária.................................................................................32 3.2.4 Espécies de sucessores .................................................................................34 3.3 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS........................................................................34 3.3.1 O princípio da supremacia da Constituição Federal .......................................................................................................................35 3.3.2 Princípio da dignidade da pessoa humana ...................................................36 3.3.3 Direito à procriação .........................................................................................38 3.3.4 Princípio do melhor interesse da criança .....................................................39 3.3.5 Princípio da igualdade ....................................................................................41 3.3.6 Princípio da igualdade entre os filhos ...........................................................42 4 A PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO DE HERANÇA DO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM .........................44 4.1 A FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM.................................................44 4.2 A PRESUNÇÃO DE FILIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA.................................47 4.3 AS POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DOS EFEITOS DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM NOS DIREITOS DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES.............................................................................................................51 4.4 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE HERANÇA PARA O CONCEBIDO POST MORTEM..................................................................................53 5 CONCLUSÃO .........................................................................................................58 REFERÊNCIAS..........................................................................................................60 ANEXOS....................................................................................................................65 ANEXO A...................................................................................................................68 ANEXO B ...................................................................................................................69 ANEXO C...................................................................................................................72 10 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico aborda a inseminação artificial humana, em especial, a realizada após a morte do cônjuge ou companheiro da receptora do sêmen e suas consequências jurídicas no âmbito do Direito das Sucessões. O Código Civil de 2002 estabelece, em seu artigo 1.597, inciso III, que se presumem filhos os “havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”. Entretanto, a referida disposição é alvo de controvérsias, no que tange ao direito sucessório, visto que, segundo o artigo 1.798, desse mesmo diploma, “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” Contudo, o artigo seguinte, em seu inciso I, determinou que podem ser chamados a suceder os “filhos ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testamento, desde que vivas estas ao abrir-se à sucessão.” Já a Constituição Federal em seu artigo 226, §6º dispõe que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Assim, estabelecido o impasse, o trabalho aqui apresentado se propõe a informar sobre as técnicas de reprodução assistida e a responder questões referentes à inseminação artificial homóloga post mortem, no que tange ao direito sucessório da criança gerada. O ponto central da problemática é se saber, se há direito sucessório da criança gerada por este método de concepção. E como a questão vem sendo tratada na doutrina e jurisprudência. O objetivo é esclarecer sobre o que é a reprodução medicamente assistida, em especial a inseminação artificial homóloga post mortem e as controvérsias decorrentes do uso desse método de concepção. Primeiramente, este trabalho aborda o instituto da reprodução humana medicamente assistida, definindo os diversos procedimentos utilizados e seu funcionamento e a ausência de uma legislação específica que regulamente tais técnicas. O segundo capítulo trata do Direito Sucessório no ordenamento jurídico brasileiro, analisando as diferentes formas de sucessão, bem como os diferentes 11 tipos de herdeiros elencados na legislação. Trata, ainda, dos preceitos Constitucionais que norteiam o Direito de Família. Por fim, analisa-se as diferentes correntes doutrinárias a respeito da presunção de filiação e os direitos sucessórios do filho concebido após a morte do genitor. A escolha do tema justifica-se, por tratar-se de assunto polêmico na atualidade, não estando pacificado na doutrina e na jurisprudência, sendo de suma importância não só para o operador de direito, mas principalmente para a sociedade, já que não há, até o momento, no Brasil, legislação específica sobre o uso de técnicas de reprodução assistida e suas conseqüências jurídicas. Diante do exposto, será elaborada uma pesquisa bibliográfica em livros e em artigos jurídicos inseridos na rede mundial de computadores, na busca de tentar esclarecer alguns pontos e, espera-se, contribuir, de alguma forma para a resolução dessa problemática através das concepções de diferentes autores. 12 2 O INSTITUTO DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA 2.1 A REPRODUÇÃO NATURAL E ARTIFICIAL HUMANA A Fecundação, que significa criação de um novo ser, ou de um novo indivíduo, quando ocorre com o homem, é sinônimo de procriação.1 O organismo do ser humano compõe-se de duas classes de células: as células somáticas e as células germinais. As células somáticas são todas as células corporais não pertencentes à linha germinal. As células somáticas que constituem o corpo humano trazem em seu núcleo as informações genéticas distribuídas em quarenta e seis pares de cromossomos. Já as células germinais são as células relacionadas com a formação de gametos que são responsáveis pela reprodução humana e são compostas de óvulos e de espermatozóides. Tais células possuem em seu núcleo a metade do numero de cromossomos existentes nas células somáticas, ou seja, vinte e três.2 A reprodução humana ocorre com junção dos núcleos masculinos e femininos contendo os cromossomos responsáveis pelas características hereditárias, formando a célula-ovo ou zigoto.3 A fertilização natural ocorre quando o espermatozóide encontra o óvulo na trompa de Falópio ou tuba uterina, fazendo surgir uma nova célula ou zigoto, que é composto de 46 cromossomos, 23 do óvulo e 23 do espermatozóide.4 Com a fecundação o zigoto passa a constituir uma diferente combinação de cromossomos passando a ter seu próprio DNA.5 A reprodução humana normal ou natural só poderá ocorrer se no homem e na mulher existirem circunstâncias para que a fecundação possa acontecer, tais como: A mulher deverá produzir um óvulo maduro dentre os aproximadamente 200.000 folículos de qualquer um de seus ovários. O homem terá que produzir em seus testículos, sêmen, com as propriedades adequadas para a 1 SGRECCIA, Elio, Manual de bioética. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1996. p. 399. 2 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 17. 3 SGRECCIA, Elio, Manual de bioética . p. 342.Op. cit. 4 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p.19. Op. cit. 5 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 18. Op. cit. 13 fecundação. Com o coito, os espermatozóides na quantidade de no mínimo 20 milhões, vez que, cada ejaculação contém entre 20 a 300 milhões de gametas masculinos, destes, um numero de 65 por cento deverão ter mobilidade normal e capacidade de penetração suficiente para ascender à continuação pelo interior do colo do útero e da trompa de falópio.6 Continuando o desenvolvimento desse ovo, através do processo de divisão celular, o embrião formado deverá chegar ao interior do útero de três a seis dias da fecundação.7 No útero, o ovo instalado, deposita-se sobre uma mucosa durante aproximadamente três dias. A gravidez está em marcha e dentre duas ou três semanas mais tarde o embrião já evidencia tecido cerebral.8 Por não se constituir num ato meramente biológico do homem, mas em um ato pessoal, a procriação humana exige um envolvimento livre e responsável de cada uma das pessoas na sua totalidade, ou seja, o corpo, o coração e espírito.9 De acordo com Elio Screccia: O ato procriador não pode ser um ato puramente biológico, como a mistura de elementos bioquímicos, nem uma atividade de tipo produtivo própria da produção dos objetos, mas, para ficar num nível personalista, próprio de uma sexualidade responsável e de reciprocidade interpessoal, deverá se realizar por meio do dom das pessoas, um dom que transcende e transfigura o fato biológico, uma dimensão espiritual que não pode se igualar uma técnica de tipo produtivista ou a uma combinação de gametas.10 No entanto, um grande obstáculo ao profundo desejo de ter filhos que é inato ao homem, tem-se a esterilidade e a infertilidade frunstando essa necessidade humana de se multiplicar e de se perpetuar pela procriação.11 2.2 ESTERILIDADE CONJUGAL Embora não seja correto utilizar as palavras esterilidade e infertilidade para se referir à incapacidade de reprodução, tais termos são utilizados indistintamente.12 6 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 19. 7 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 19. Op. cit. 8 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 19. Op. cit. 9 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 20. Op. cit. 10 SGRECCIA, Elio, Manual de bioética 2ª ed. São Paulo: Loyola, 1996. p. 409 11 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida . p. 20. Op. cit. 14 A esterilidade se caracteriza pela incapacidade de ocorrer a fecundação numa situação irreversível. Esterilidade conjugal se constitui pela impossibilidade dos cônjuges, mesmo após um ano de vida sexual ativa e sem o uso de métodos contraceptivos fecundarem.13 Chamamos de infertilidade a incapacidade de ter filhos vivos, sendo possível a fecundação e o desenvolvimento do embrião ou feto equivalendo a hipofertilidade.14 A hipofertilidade ou baixa fertilidade é determinada pela ausência de uma quantidade mínima de espermatozóides por mililitro (ml), além da mobilidade e normalidade em índices necessários que determinam a fertilidade ou não do homem.15 Para a Organização Mundial da Saúde a infertilidade se constitui na ausência de concepção depois de pelo menos dois anos de relações sexuais sem proteção.16 A Organização Mundial da Saúde (OMS), considera fértil o homem que apresenta um índice de produção de 10 milhões/ml, ou mais, de espermatozóides.17 2.2.1 A Esterilidade na história Uma das maiores preocupações desde os primórdios é a questão da esterilidade como motivo de degradação no grupo familiar e social.18 Para gregos, romanos e hindus, a esterilidade desde os tempos antigos sempre foi considerada como um fator negativo, pois a procriação se constituía na forma de perpetuação da imortalidade. Tanto que o casamento era obrigatório e tinha como único objetivo a concepção de filhos, para a perpetuação do culto dos 12 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida, 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 20. 13 PESSINI, Léo. Problemas atuais de bioética . São Paulo: Loyola, 1997, p. 217. 14 PESSINI, Léo. Problemas atuais de bioética . p. 83. Op. cit. 15 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 18. 16 PESSINI, Léo. Problemas atuais de bioética . p. 217. Op. cit. 17 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 30. 18 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. p.17. Op. cit. 15 mortos. Já o celibato era considerado uma “grande impiedade e desgraça”, sendo motivo para a anulação do casamento em caso de esterilidade.19 Nessa época as mulheres estéreis eram encaradas como seres malditos que deviam ser banidas da comunidade.20 Os judeus consideravam a esterilidade como castigo de Deus.21 Até o final século XV, somente a mulher era considerada estéril, pois não se admitia a possibilidade de ocorrência da esterilidade masculina, porém a situação das mulheres não mudou muito na Idade Média. Com a descoberta de novos elementos terapêuticos, procurava-se acabar com o mal através de formulas rudimentares tais como: chás, ervas, uso de metais e pedras preciosas, invocações religiosas, rituais, flagelos, etc.22 Com a invenção do microscópio no final do século XV a esterilidade passou a ser cientificamente estudada. Em 1677, quando Johann Ham afirmou que a esterilidade também poderia ocorrer pela ausência ou escassez de espermatozóide, é que se admitiu a possibilidade de esterilidade masculina. Portanto a noção de esterilidade conjugal somente surgiu no século XVII.23 A impossibilidade de ter filhos não atinge apenas um indivíduo mais sim o casal. Na mulher, privando-a da suprema sensação de estar grávida e no homem é mais forte a noção de virilidade e o papel reprodutor, sendo certo que a esterilidade provoca intenso abalo psíquico. Desta mesma maneira dispõe o doutrinador Eduardo de Oliveira Leite: [...] a esterilidade não coloca em cheque só a organização psíquica do individuo, mas atinge também o casal. Se a esterilidade é difícil de viver individualmente para o homem solteiro, ela é mais ofensiva para o homem casado que sofre em não conseguir proporcionar à sua mulher o sonho da gravidez e a alegria de ter um filho. Com efeito, a esterilidade priva-a de três sensações insubstituíveis: a gravidez, a criança e o estado de mãe.24 19 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida, 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 22 20 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 18 21 NAKAMURA, Milton Shim Ithi, Diagnostico e tratamento da esterilidade no casal, 1ª ed. São Paulo: Atheneu, São Paulo. p. 3. 22 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 22. Op. cit. 23 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. p.17-18. Op. cit. 24 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. p. 22-25. Op. cit. 16 A impossibilidade de procriar constitui para o casal um sentimento de derrota muito intenso vez que interrompem a cadeia familiar, desaparecem os projetos, os sonhos e o sentido de perpetuação da vida.25 2.2.2 Causas da esterilidade A infertilidade ou a esterilidade podem se originar tanto de causas masculinas ou femininas, mistas, em causas aparentes ou desconhecidas.26 Normalmente a esterilidade ou a infertilidade se qualifica como sendo um problema de ordem física ou psicológica.27 A busca pela realização profissional tem adiado cada vez mais o sonho de ter um filho e dentre as mulheres essa tem sido, atualmente, uma das razões mais conhecidas de infertilidade, pois, ao mesmo tempo em que adia gravidez a mulher esta sujeita a uma série de infecções e viroses sexualmente transmissíveis que consequentemente dificultarão a fecundação.28 Já dentre os homens além do retardamento pela opção de ter um filho estar relacionado com a realização profissional, o estresse constituí-se uma das maiores causas de infertilidade masculinas.29 Há muitas outras causas que podem ser relacionadas com a infertilidade tanto masculina quanto feminina. Dentre as causas mais comuns estão o uso prolongado de métodos contraceptivos, abortos clandestinos, doenças sexualmente transmissíveis, o consumo de drogas e medicamentos, constituindo motivo de infertilidade absoluta ou relativa.30 No intento de resolver os problemas criados pela infertilidade surge a reprodução humana assistida como meio de concretizar o desejo de ser pai e mãe para aqueles que sofrem com a esterilidade.31 25 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 23 26 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 24. Op. cit. 27 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 24. Op. cit. 28 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 25. Op. cit. 29 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 25. Op. cit. 30 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 25. Op. cit. 31 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 41 17 No entanto, ao mesmo tempo em que as técnicas de reprodução assistidas surgem como uma esperança para o casal ter um filho, também provoca grande divergência de opiniões não somente no campo da ética, mas, principalmente, no mundo jurídico.32 2.3 A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL NA HISTÓRIA Há em toda a história relatos que revelam grande preocupação do homem com a perpetuação de sua espécie. A esterilidade sempre teve muita importância para a humanidade sendo motivo de investigações e questionamentos por toda a história humana, podemos perceber isso nos mitos33 de antigos povos e em citações em textos bíblicos.34 Os primeiros registros de que se tem notícias sobre as pesquisas embrionárias datam de século 5 a.C. e estão nos livros de Hipócrates, um famoso médico grego, considerados por muitos como o pai da medicina.35 No século 4 a.C. Aristóteles escreveu um tratado de embriologia. Sendo que Galeno, no século 2 d.C., escreveu um livro sobre a formação do feto em que discorre sobre o desenvolvimento dos embriões.36 Durante a Idade Média, os avanços científicos foram bem limitados, somente com o surgimento do microscópio, no final do século XVI, é que os experimentos começaram a se desenvolver de forma mais célere.37 Em 1776, Lazzaro Spallanzani realizou a primeira inseminação artificial em uma cadela, nascendo três crias. Seguindo com a inseminação artificial em 32 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida, 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 28 33 Acrísio rei de Argos, encarcerara sua filha Dânae numa torre de bronze, a fim de evitar a morte da jovem pela mãos de seu neto, como previsão do oráculo. Ocorre que Zeus se enamora de Dânae e transforma seu sêmen em uma chuva de ouro que insemina Dânae, nascendo Perseu.SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Imaculada concepção Editora Acadêmica, São Paulo, 1993, p. 29. Citado por MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 28. Op. cit. 34 Na Bíblia, é relatado o fato da esterilidade da mulher de Abrão, Sara, que propõe ao marido tomar a escrava Agar como amante, para através dela terem filhos. Assim nasceu Ismael filho de Agar e Abraão. GENESIS 15:16. Citado por MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 28. Op. cit. 35 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. p. 86-89. Citado por MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 28 Op. cit. 36 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. p. 29. Citado por MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 29 Op. cit. 37 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 29. Op. cit. 18 animais de outros gêneros, estudou os efeitos do congelamento sobre os espermatozóides. E, em 1778, Heller afirma que os espermatozóides se encontram no líquido testicular.38 As primeiras investigações sobre a inseminação artificial em seres humanos se deram no início dos anos de 1790, através de Cary, baseadas nas formas utilizadas para a reprodução bovina.39 Com a descoberta de Dogues, em 1883, de que os ovários têm participação no processo de fecundação, é que nos anos seguintes os pesquisadores concluíram que a fertilização se constitui através da união do núcleo de um espermatozóide com o núcleo de um óvulo. Mas foi através de J. Marion Sims, em 1866, depois de realizar 55 (cinqüenta e cinco) inseminações em 6 (seis) mulheres, que houve a concretização da primeira gravidez por meios artificiais, que terminaria em aborto.40 A partir daí as pesquisas começaram a se difundir, ocupando um lugar importante no tratamento da esterilidade. Em 1886 Montegazza propõe a criação de um banco de sêmen congelado. Sendo que em 1945, o biólogo Jean Rostand descobriu que os espermatozóides submetidos ao frio e ao glicerol não perdiam a sua viabilidade de uso.41 Dessa forma, em 1947 Chang realiza a primeira transferência de ovo fecundado e congelado, sendo que dez anos depois traz provas inequívocas da fertilização in vitro, através das técnicas aplicadas em coelhas.42 Em 1953 Smith consegue pela primeira vez congelar embriões na fase de pré-implantação, desde então se passou a utilizar sêmen congelado nas inseminações de seres humanos.43 Nos anos de 1970 a 1975 são realizados estudos mais profundos sobre a fertilização in vitro com a transferência de embriões para o útero e coleta de óvulos.44 38 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 29 39 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 29. Op. cit. 40 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 30. Op. cit. 41 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 31 42 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 30. Op. cit. 43 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 30. Op. cit. 44 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 31. Op. cit. 19 Mais foi em 25.07.1978 que o mundo assistiu o jamais antes imaginado. Nascia na Inglaterra através do trabalho de pesquisadores britânicos o primeiro bebê concebido pela fecundação in vitro, através dos gametos de seus pais legais.45 A partir de 1980 o nascimento de bebês inseminados artificialmente deixou de se constituir em casos raros passando a fazer parte da normalidade, da terapêutica no tratamento de problemas da esterilidade.46 2.3.1 As principais técnicas de reprodução humana m edicamente assistida A Reprodução Assistida é o conjunto de técnicas, utilizadas por médicos especializados, que tem como principal objetivo tentar viabilizar a gestação em mulheres com dificuldades de engravidar. Muitas vezes essas dificuldades podem trazer sérios prejuízos ao relacionamento conjugal.47 Agora passaremos a analisar as principais técnicas de reprodução humana assistida que vêem sendo utilizadas, a fim de descobrir quais suas diferenças, principalmente quanto ao momento da fecundação. 2.3.1.1 A reprodução humana assistida através da inseminação artificial (IA) A inseminação artificial importa na substituição da relação sexual, onde ocorreria a fecundação em pessoas saudáveis.48 Essa foi à primeira técnica utilizada pelos médicos, sendo que seu sucesso depende do calculo exato da ovulação, pois o material genético masculino é introduzido no útero, fazendo com que a gravidez se desenvolva naturalmente.49 45 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida, 1ª ed. Curitiba: Juará, 2005, p. 31 46 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida. p. 31 47 PINTO, Carlos Alberto Ferreira, Reprodução assistida: Inseminação artificial homólo ga post mortem e o direito sucessório . Recanto das Letras. São Paulo, 28 Fev. 2008. Disponível em: Acesso em: 07 mar. 2010. 48 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 43 49 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . p. 44. Op. cit. 20 A inseminação artificial pode ser divida em homóloga ou heteróloga. A inseminação homóloga consiste a utilização do sêmen do próprio marido ou companheiro.50 Já a inseminação heteróloga se da quando o esperma do marido ou companheiro não possui quantidade ou a qualidade de espermatozóides suficientes para haver a fecundação natural do óvulo, tendo que se apelar para o banco de sêmen.51 Ana Claudia Brandão Ferraz ensina que: Na realização da inseminação artificial, primeiramente recolhem-se os espermatozóides do marido ou do companheiro ou de um doador, através da masturbação. Os espermatozóides, então, são analisados quanto à quantidade e mobilidade, separando-se os normais dos anormais. O esperma, então, é diluído em uma solução crioprotetora composta por um glicerol misturado à frutose, antibiótico e gema de ovo, a qual é distribuída automaticamente em tubos de plásticos numerados, os quais estão prontos para serem conservados em azoto liquido a uma temperatura de 196 graus abaixo de zero; os capilares são colocados em botijões de estocagem cheios de azoto liquido, podendo ser conservados pelo prazo atualmente fixado em 20 anos.52 Tanto os espermatozóides quanto os óvulos utilizados na inseminação artificial podem ser frescos ou congelados, sendo que dessa última maneira a fecundação poderá ocorrer muito tempo depois de coletado, até mesmo após a morte do doador. Surgem daí problemas tanto na ordem da filiação quanto da sucessão, sem falar na condenação do nascido à orfandade. Os casos de inseminação post mortem proliferam, e as decisões dos tribunais divergem diante da falta ou das diferentes formas de legislação a respeito da matéria. Na Inglaterra é proibida a Inseminação post mortem que é permitida na Bélgica. No entanto a inglesa Diana Blood, depois de requerer judicialmente, consegue ser inseminada com sêmen de ser marido falecido em 1995, cujo esperma foi colhido por determinação da mulher pouco antes da morte do marido. Caso semelhante noticiado pelo New Scientist ocorre com uma americana, que se prepara para dar à luz através de fecundação com sêmen de seu marido falecido.53 50 BARBOZA, Heloísa Helena. A filiação – em face da inseminação artificial e da fertilização “in vitro ”. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. p. 40 51 BARBOZA, Heloísa Helena. A filiação – em face da inseminação artificial e da fertilização “in vitro ”. p. 40. Op. cit. 52 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 44 53 Revista Época. Ed. Globo. n. 9, de 20. jul. 1998, p. 43 citado por MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida, Curitiba, 1ª Edição, Editora Juará, 2005, p. 35. 21 Esses procedimentos além de problemas técnicos apresentam também problemas éticos e jurídicos, provocando debates que estão longe de serem pacificados.54 2.3.1.2 A reprodução humana assistida através da fertilização in vitro (FIV) ou fivete A técnica de fertilização in vitro é mais conhecida como “bebê de proveta” e foi utilizada com sucesso primeiramente em 1978, por Steptoe e Edwards.55 Essa técnica consiste em colher óvulos maduros do ovário feminino e misturá-los, em uma placa de Petri, ao sêmen do marido, companheiro ou doador, a fim de que se proceda a fecundação, após a qual o zigoto é transferido para o útero da receptora para que se desenvolva.56 Tal técnica é indicada para os casos de esterilidade tubária bilateral feminina, hipofertilidade masculina, falha no tratamento cirúrgico tubário, endometriose e esterilidade inexplicável sem causa aparente.57 Esta técnica se divide em varias fases: Primeiramente, analisam-se os espermatozóides e os óvulos para detectar qual o problema, em seguida a mulher passa por um processo de indução de ovulação, através de um tratamento com hormônios (estrogênio), aumentando assim o numero de óvulos a serem fecundados e implantados.58 Trinta e seis horas após a ovulação será realizado na mulher uma punção e o marido ou companheiro deverá doar o sêmen. Caso o paciente não tenha mesmo possibilidade de produzir espermatozóides deverá se recorrer ao banco de esperma. Os óvulos e espermatozóides serão postos em contato, sendo que quarenta e oito horas depois 54 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida, Curitiba, 1ª ed. Juará, 2005, p. 36. 55 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 45 56 RAFFUL, Ana Cristina. A reprodução artificial e os direitos da personalid ade. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 40 57 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 41 58 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . p. 46. Op. cit. 22 verificar-se-á se houve ou não a fertilização. Em caso positivo, com o auxilio de um cateter os embriões serão implantados no útero da receptora.59 2.3.1.3 Transferência intratubária de gametas (GIFT) Consiste na captação de óvulos da mulher através de laparoscopia, exame endoscópico da cavidade abdominal, via pequena incisão na parede do abdômen feminino, ao mesmo tempo em que se colhe o esperma do marido.60 Assim óvulo e espermatozóide são colocados em uma cânula especial, devidamente preparados, introduzindo-os em cada uma das trompas, lugar onde ocorre naturalmente a fertilização. Se tudo transcorrer normalmente, os espermatozóides penetram em um ou mais óvulos, formando-se o embrião. Este descerá dentro das trompas ate o útero, de forma tal que a concepção se produzirá integralmente no corpo da mulher.61 Esta técnica se assemelha à da fertilização in vitro, pois como na FIV há a estimulação da ovulação e há a coleta de espermatozóides, porém na técnica GIFT o material genético é introduzido nas trompas por meio de um cateter, onde ocorrerá a fecundação, portanto, no interior do corpo da mulher.62 2.3.1.4 Transferência intratubária de zigotos (ZIFT) A expressão ZIFT quer dizer transferência intratubária de zigotos, ou como querem seus criadores: “Zygote IntraFallopian Tube Transfer”. Esse método é 59 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 46 60 GONÇALVES, Fernando David de Melo, As técnicas de reprodução humana assistida , Disponível em: Acesso em: 20 out. 2009. 61 OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de reprodução humana à luz dos pr incípios constitucionais . Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 25, jun. 1998. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2010. 62 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . p. 47. Op. cit. 23 idêntico ao GIFT, apresentando uma única diferença: enquanto o ZIFT introduz o embrião pronto nas trompas de falópio, o GIFT aguarda a formação desse embrião “in vivo”.63 Neste tipo de reprodução humana assistida, espermatozóide e óvulo são postos em contato “in vitro” em condições apropriadas para sua fusão. Os zigotos resultantes são transferidos para o interior das trompas uterinas, para que o organismo humano reconheça aquele embrião como seu e inicie a gestação.64 2.3.1.5 A reprodução humana através da gestação substituta A figura da gestação substituta surgiu para solucionar os problemas daquelas mulheres que não podem gestar um filho. Para Eduardo de Oliveira Leite: [...] Quer se trate de uma anomalia de nascença, ou a conseqüência de um problema grave detectado na idade adulta e provocador de uma necessária ablação do útero (histeretomia), a sanção para a mulher é severa: absoluta impossibilidade de levar a termo uma gravidez.65 As indicações médicas para a utilização dessa técnica são a ausência de útero, a infertilidade vinculada a uma doença uterina, contra-indicação médica a uma gravidez decorrente de outras doenças, tais como a insuficiência renal grave.66 A técnica do empréstimo de útero, ou “mãe de substituição” ou ainda, a vulgarmente conhecida “barriga de aluguel”, ou ainda “mães de aluguel”, implica na intervenção de uma terceira pessoa na gestação, para garantir o seu desenvolvimento completo e que devolverá a criança aos pais, depois do nascimento, criando uma nova espécie de maternidade.67 Aline Mignon de Almeida explica: 63 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 48 64 GONÇALVES, Fernando David de Melo, As técnicas de reprodução humana assistida, Disponível em: Acesso em: 20 out. 2009. 65 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 14-17 66 FERNANDES, Silvia da Cunha. As técnicas de reprodução assistida e a necessidade de sua regulamentação jurídica . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p.37 67 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana Assistida, Curitiba, 1ª Edição, Editora Juará, 2005, p. 52 24 [...] A gestação de substituição pode ocorrer em três situações: inseminação de uma mulher com sêmen e óvulo de pessoas estranhas: gestação de um óvulo fecundado in vitro, ou inseminação de uma mulher que recebe em seu óvulo sêmen de um homem estranho a ela (isto é que não seja seu companheiro ou marido). Há também uma situação muito rara, que consiste na mulher emissora do óvulo só ser capaz de gerar a criança durante um certo período, a mãe de aluguel carregara em seu ventre embrião até o período em que a mãe biológica se torna capaz de concluir a gestação, ou seja, o embrião é retirado do ventre da mãe de aluguel e implantado no da mãe biológica para que sua prossiga com a gestação.68 Dessa forma, pode ser feita a distinção entre mãe portadora e mãe de substituição. A primeira recebe do casal o óvulo já fecundado, enquanto que a segunda recebe apenas o esperma do marido da solicitante, fornecendo também o óvulo.69 Tal técnica é muito criticada, uma vez que a criança nascida da mãe portadora possui duas mães: uma mãe ovular e uma uterina. Da mãe ovular o nascido recebeu a metade do material genético, e da mãe que carregou durante os nove meses em seu ventre, recebeu todas as informações nervosas e hormonais, muito importantes na sua constituição e desenvolvimento intra-uterino.70 Essa prática tem tido repercussões bastante negativas, pelo fato de, muitas vezes, a mãe substituta se afeiçoar ao ser que vai gerar, descumprindo a obrigação contratual de devolver o recém-nascido à mulher que a contratou.71 Nos países desenvolvidos, esse fato tem causado grandes discussões, sendo na maior parte deles vedado o uso das mães de substituição.72 No Brasil a única norma que regulamenta os critérios éticos para a atuação dos profissionais das técnicas de fertilização assistida é a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, que admite a cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente até o segundo grau, ou seja, mãe, avó, ou irmã da genitora.73 68 ALMEIDA, Aline Mignon. Bioética e biodireito, Rio de Janeiro: Lúmen júris, 2000. p. 47 69 KRELL, Olga Gouveia Jubert. Reprodução humana assistida e filiação civil. Princípios técnicos e jurídicos. Curitiba: 2007. p. 192 70 MACHADO, Maria Helena, Reprodução humana assistida . p. 53. Op. cit. 71 OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de reprodução humana à luz dos pr incípios constitucionais . Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 25, jun. 1998. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2010. 72 OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de reprodução humana à luz dos pr incípios constitucionais. Op. cit. 73 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 332 25 2.4 AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO LEGAL REFERENTES ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA Conforme o já mencionado, em face da disseminação das técnicas de Reprodução Medicamente Assistida é importante salientar a necessidade de legislação especifica que disponha sobre a matéria, tendo em vista suas conseqüências jurídicas, principalmente em relação à filiação e seus direitos de personalidade.74 No Brasil, a existência de legislação, referente a tais técnicas ressumem- se a normas do Código Civil em vigor, que são insuficientes para solucionar a gama de problemas que o tema apresenta.75 A esse respeito Silvio de Salvo Venosa esclarece: "o Código Civil não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata a existência da problemática e procura dar solução exclusivamente ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por opção do legislador".76 A única regulamentação específica que acerca da reprodução assistida é a Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, que é aplicada aos profissionais médicos, porém não possui nenhuma sanção penal para condutas.77 Nesta esteira surgiram projetos de lei sobre o assunto que ainda estão em trâmite no Congresso Nacional, mas não possuem eficácia legal.78 Cumpre destacar o advento da Lei 11.105/05 a chamada Lei de Biossegurança, que permitiu, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células- 74 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 57 75 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . p.57. Op. cit. 76 VENOSA, Silvio de Salvo. A reprodução assistida e seus aspectos legais . Disponível em: , em 01 fev. 2003, ano 3, nº 474. Acesso em: 12 mar. 2010. 77 NORA, Nadia Hommerschag, TARIFA, Rita de Cássia Resquetti, DOS REIS, William Peixoto Ferreira, Os embriões excedentários e os direitos sucessórios , disponível em: Acesso em: 13 nov. 2009. 78 NORA, Nadia Hommerschag, TARIFA, Rita de Cássia Resquetti, DOS REIS, William Peixoto Ferreira, Os embriões excedentários e os direitos sucessórios , disponível em: Acesso em: 13 nov. /2009. 26 tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidas por fertilização in vitro. Tal previsão importou em grande avanço para a medicina.79 Recentemente, em maio de 2009, foi sancionada a lei 11.935/09, que estabelece a obrigatoriedade de cobertura dos atendimentos pelas empresas de assistência à saúde, nos casos de planejamento familiar, incluindo as técnicas de reprodução assistida utilizada no tratamento de problemas relacionados com a concepção natural.80 79 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá. 2009. p. 58 80 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . p.58. Op. cit. 27 3 O DIREITO SUCESSÓRIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRAS ILEIRO 3.1 FUNDAMENTOS LEGAIS O Direito Sucessório tem fundamento no artigo 5º, XXX,81 na Constituição Federal, que consagra o poder legítimo de herança. Trata-se, portanto, de direito fundamental, assegurando a determinadas pessoas, em conformidade com a previsão da lei ordinária, o direito de haver para si os bens deixados pelo seu antigo titular.82 Já na esfera infraconstitucional a matéria é recepcionada pelo Livro V do Código Civil, do artigo 1.784 ao 2.02783 e em se tratando de matéria processual, aplicam-se as normas do Código de Processo Civil do artigo 982 ao 1045. 3.2 O DIREITO SUCESSÓRIO NO CÓDIGO CIVIL 3.2.1 A transmissão da herança “Direito das Sucessões é a parte especial do Código Civil que regula a destinação do patrimônio de uma pessoa depois de sua morte.”84 Segundo o artigo 1.78485 do Código Civil a transmissão da herança ocorre no momento da abertura da sucessão. 81 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEFERATIVA DO BRASIL, PROMULGADA EM 05/10/1988, Disponível em: , Acesso em 10.maio.2010 82 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões . Blumenau: Voxlegem. 2006. p. 16. 83 BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 , Disponível em: Acesso em: 10 de maio de 2010. 84LEITE, Gisele. Primeiras linhas de direito das sucessões . 2004. Disponível em: Acesso em 23 mar. 2009. 85 BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 , Art. 1.784, CC: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Disponível em: Acesso em: 10 de maio de 2010. 28 A abertura da sucessão dá-se com o óbito do titular dos bens, resultando na sua imediata transmissão aos sucessores, para efeitos de domínio e de posse.86 A morte determina, então, a abertura da sucessão, passando os bens do de cujus aos seus sucessores, que estejam vivos naquele momento, independentemente de se acharem presentes, ou de qualquer ato seu. Daí dizer-se que a morte é um fato imutável.87 Assim nos ensina Silvio de Salvo Venoza: Cabe ressaltar que os termos herança e sucessão não são sinônimos. Sucessão é o ato de suceder que pode acontecer por ato entre vivos ou em função da morte. Já a herança é um conjunto de direitos e de obrigações que se transmitem, em função da morte, para um conjunto de pessoas que sobrevivem ao de cujus.88 A lei também prevê a morte presumida, que é decretada quando uma pessoa é declarada ausente. Neste caso, pode-se pedir a abertura da sucessão provisória. Decorrendo dez anos, os herdeiros podem requerem a sucessão definitiva, que tornará imutável a partilha anteriormente feita.89 A herança não compreende apenas a bens corpóreos, corresponde também a certos direitos e deveres do autor da herança, como dívidas, créditos, obrigações e direitos. Isto é, o patrimônio transmitido abrange o ativo e o passivo deixado pelo falecido.90 São excluídas, porém, da herança as relações jurídicas não patrimoniais e as personalíssimas, mesmo que haja conteúdo econômico tituladas pelo falecido. São exemplos destas relações o poder familiar, a tutela ou a curatela eventualmente exercidas pelo de cujus, o direito de receber alimentos decorrentes de parentesco, o usufruto, o uso, o direito real de habitação, as rendas vitalícias, a pensão previdenciária, o contrato de trabalho.91 86 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de direito das sucessões . Blumenau: Voxlegem. 2006. p. 17 87 PERREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil . Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 18. 88 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.20. 89 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 10/12 90 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. p. 19. Op. cit. 91 LEITE, Eduardo de Oliveira. Bioética e presunção de paternidade (considerações em torno do art. 1597 do Código Civil). In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 29 A transmissão da herança se dá, de forma automática, com a morte do autor da herança. Assim os herdeiros, legítimos ou testamentários, tornam-se donos do patrimônio desde a abertura da sucessão.92 Esta condição se dá por um princípio de origem germânica, chamado de saisine, que seria a posse de bens por alguém que ainda não a tinha, ou seja, os bens que constituem a herança.93 Assim, atualmente, o nosso ordenamento jurídico contempla esse princípio, definindo a passagem de todos os bens do autor da herança, desde o momento em que abrir a sucessão, aos seus sucessores. 3.2.2 Capacidade sucessória A capacidade sucessória não se confunde com a capacidade civil. Esta é a aptidão para exercer por si aos atos da vida civil. Já a capacidade sucessória é a aptidão para receber a herança ou legado.94 Segundo o artigo 1.798 do Código Civil, legitimam-se a suceder os já nascidos ou concebidos no momento da abertura da sucessão. Ou seja, se o sucessor falecer antes do sucedido, aquele não terá capacidade para herdar deste.95 São ainda incapazes de suceder os excluídos por indignidade (artigos 1.814 à 1.818, Código Civil) e os deserdados (artigos 1.961 à 1.965). Já o caso do nascituro é excepcional, uma vez que só será chamado a suceder ou receberá a herança se nascer com vida. Se, porém, nascer morto, deve ser considerado como se nunca tivesse existido.96 92 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 19 93 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito das sucessões. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 28. 94 PERREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil . Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 29/30 95 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro , v. 6: direito das sucessões. 20 ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 31 96 PERREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil . Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 31 30 3.2.3 Espécies de sucessão hereditária A palavra sucessão deriva do latim succedere, que significa vir ao lugar de alguém. Sugere, assim, transmissão de patrimônio de uma pessoa falecida a uma ou outra pessoa.97 A sucessão pode dá-se a título gratuito ou oneroso, inter vivo ou causa mortis. Contudo, quando se fala de direito sucessório, há referência apenas a transmissão decorrente da morte, e a título gratuito.98 A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade (artigo 1.786 Código Civil). Quando decorre de manifestação de última vontade expressa em testamento, chama-se sucessão testamentária; quando se dá em virtude de lei, denomina-se sucessão legítima.99 A sucessão legítima contempla as pessoas que se acham numa ordem legal de preferência pelo parentesco mais próximo ou por vínculos de casamento ou de união estável. Essa escala preferencial de chamamento denomina-se “ordem de vocação hereditária”.100 Se, no entanto, o titular dos bens expressar sua vontade por instrumento autêntico, testamento ou codicilo, ordenando que em razão de sua morte os bens passem à propriedade de outras pessoas por ele designadas, tem-se então a sucessão testamentária. Esta prefere à legítima salvo para certas categorias de herdeiros os quais a lei beneficia como necessários, reservando-lhes pelo menos a metade da herança (legítima), assim indisponível por vontade do testador. 101 A sucessão é simultaneamente legítima e testamentária quando o testamento do de cujus não abrange todos os seus bens. Em ocorrendo o caso, os bens referidos no testamento se transmitem aos herdeiros testamentários e aos legatários. Os bens restantes são deferidos aos herdeiros legítimos, na ordem de vocação hereditária.102 97 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código Civil , do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XXI. p. 4 98 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões, v. 7, São Paulo: Saraiva, 2003. p. 3. 99 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 16. Op. cit. 100 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de direito das sucessões . Blumenau: Voxlegem. 2006. p. 20 101 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de direito das sucessões . p. 20. Op. cit. 102 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 17. Op. cit. 31 Também se distingue sucessão a título universal e a título singular. Diz-se que a sucessão se processa a título universal quando o herdeiro é chamado a suceder na totalidade dos bens do de cujus.103 A sucessão se processa a título singular quando o testador se dispõe a transferir ao beneficiário um bem determinado.104 3.2.3.1 Sucessão legítima Também chamada de sucessão ad intestato.105 É a sucessão que decorre da lei, seguindo a ordem de vocação hereditária disposta no artigo 1.829 do Código Civil. Segundo Eduardo de Oliveira Leite: A ordem de vocação hereditária é aquela determinada por lei e segundo uma hierarquia que coloca os sucessores em graus de preferência em relação ao sucessível e conforme a classe a que pertencem. É determinada pelo parentesco ou pela afinidade. Na sucessão legitima convocam-se os herdeiros segundo a ordem legal, de forma que uma classe só será chamada quando faltarem herdeiros da classe precedente.106 De acordo com o disposto no artigo 1.829 Código Civil a sucessão defere- se na seguinte ordem: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. A remissão ao artigo 1.640, parágrafo único, feita no inciso I esta equivocada, devendo ser substituída pelo artigo 1.641.107 103 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões, v. 7, São Paulo: saraiva, 2003. p. 17. 104 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. p. 17. 105 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões, v. 6, São Paulo: Saraiva, 2008. p. 86 106 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 210/211 107 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões, p. 86. Op. cit. 32 A ordem de vocação hereditária fixada na lei vem beneficiar os membros da família, pois o legislador presume que o falecido queria deixar seu patrimônio nas mãos de seus familiares.108 Porém, pode a ordem de vocação hereditária, ser alterada quando se tratar de bens de estrangeiro existentes no Brasil, com esposa e filhos brasileiros, e a lei do país do de cujus for mais favorável àquelas pessoas do que seria a lei brasileira. É o que dispõe a regra do inciso XXXI do artigo 5º da Constituição Federal.109 Na falta destes e na falta também de companheiro sobrevivente, ou se todos estes renunciarem, o direito sucessório é transmitido ao Município ou ao Distrito Federal se a herança estiver localizada nas respectivas circunscrições, ou à União se situada em Território Federal. Os bens só passam ao domínio do Poder Público se houver sentença declarando a vacância dos bens e após cinco anos da abertura da sucessão, pois nesse lapso de tempo o herdeiro pode, ainda, reclamar judicialmente a herança.110 3.2.3.2 Sucessão testamentária A sucessão testamentária, como o próprio nome diz, deriva da atestação de vontade que além da legítima abre espaço à manifestação da intenção soberana do testador, quanto à quota disponível. Aqui é o testador que determina seus herdeiros além dos legítimos necessários.111 Desde que tenha capacidade, a pessoa pode dispor dos seus bens para depois de sua morte na forma prevista pelo artigo 1.857 e seguintes do Código Civil.112 O poder de dispor integralmente sobre seu patrimônio só existe na sistemática sucessória brasileira quando o sucessor não tem herdeiros necessários. 108 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 94 109 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões, v. 7, São Paulo: Saraiva, 2003. p. 96 110 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 185/192 111 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. p. 28. Op. cit. 112 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões . Blumenau: Voxlegem. 2006. p. 21 33 Em todas as demais hipóteses o seu poder de decisão encontra-se limitado às disposições legais que regem a matéria.113 Embora o artigo 1.857 do Código Civil tenha silenciado sobre as características essenciais do testamento é valido para melhor compreensão de tal instituto examinar suas características essenciais que se resumem em cinco aspectos: o testamento é negócio jurídico personalizado, unilateral, solene, gratuito, e revogável.114 Finalmente, o testamento deve conter disposições relativas aos bens do testador, no todo ou em parte. Contudo, pode ele valer-se do ato de última vontade para reconhecer filhos naturais, nomear tutor ao órfão, perdoar o indigno (art. 1.818), deserdar o herdeiro (art. 1.964), instituir fundação (art. 62), substituir beneficiário na estipulação em favor de terceiros (art. 438, parágrafo único), impor cláusulas restritivas (art. 1848) e constituir condomínio por unidades autônomas (art. 1.332), além de dispor do próprio corpo após a morte (art. 14).115 A sucessão testamentária pode ser a título universal, instituindo um herdeiro (com direito a toda a herança ou a parte ideal dela), ou a título singular, quando estabelece um legatário (que recebe bens determinados).116 Na transmissão hereditária conjugam-se dois princípios: o da autonomia da vontade, em que se apóia a liberdade de dispor, por ato de última vontade, dos bens, e a da supremacia da ordem pública, pelo qual se impõem restrições a essa liberdade. Com isso protege-se a propriedade e a família, ou melhor, o interesse do autor da herança e o da família. Tendo em vista o interesse social geral, acolhe o Código Civil o princípio da liberdade de testar limitada aos interesses do de cujus e, principalmente, aos de sua família, ao restringir a liberdade de dispor, no caso de ter o testador herdeiros necessários, [...] hipótese em que só poderá dispor de metade de seus bens, pois a outra metade pertence de pleno direito àqueles herdeiros, exceto se forem deserdados ou excluídos da sucessão por indignidade.117 O instrumento para essa disposição de última vontade é o testamento, num dos moldes previstos em lei. Eles podem ser: a) ordinários (público, cerrado e particular), ou; 113 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 28 114 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código civil, Volume XXI: do direito das sucessões. p. 309. Op. cit. 115 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das sucessões , São Paulo: Saraiva, 2008. v. 6. p. 125 116 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões. Blumenau: Voxlegem. 2006. p. 21 117 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro , v. 6: direito das sucessões. 20 ed. Ver. E atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-20020 E O Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: saraiva, 2006. p. 175. 34 b) especiais (marítimo, aeronáutico e militar).118 Para disposições de pequeno valor a lei disponibiliza um instrumento mais simples, por escrito particular, sem necessidade de testemunhas. Trata-se do codicilo.119 3.2.4 Espécies de Sucessores “Suceder é substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos”.120 Então temos que, sucessor é aquele que se sub-roga no lugar de outra que tenha falecido. Como sucessores e bens deixados pelo falecido, distinguem-se: a) herdeiro: (que pode ser legítimo ou testamentário), sucessor a título universal; recebe a totalidade da herança (se for único) ou parte ideal em todos os bens (se houver mais de um herdeiro);121 b) legatário: sucessor a título singular; recebe coisa certa e determinada (legado), por vontade do testador.122 3.3 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS “O termo Constituição, latu sensu, é o ato de constituir, de estabelecer, de firmar, ou ainda, o modo pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de pessoas, organização, formação.”123 Sob o prisma jurídico, a Constituição Federal de um Estado é considerada a lei maior e fundamental. Segundo definição de Canotilho a Constituição: [...] deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contem normas referentes à estruturação do estado, à formação dos 118 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões. Blumenau: Voxlegem. 2006. p. 21 119 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões. p. 21. Op. cit. 120 VENOSA, Sílvio de Salvo Direito civil: direito das sucessões. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 15 121 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões. p. 21. Op. cit. 122 FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões. p. 21. Op. cit. 123 PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimim. Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey. 2007. 57 35 poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.124 O doutrinador Paulo Bonavides explica que a Constituição Federal é a base hierárquica do sistema jurídico, por tais motivos seus princípios devem ser observados toda vez que um novo fato não previsto em lei, surgir.125 Novos direitos nascem devido as mudanças dos paradigmas sociais, da capacidade do homem em dominar a natureza, com isso, novas ameaças à liberdade aos direitos dos cidadãos também surgem. É imprescindível, então, a criação de normas para regulamentar essas situações. Um ramo que muito progrediu nas últimas décadas foi o ramo das tecnologias. Os avanços tecnológicos e científicos enquadram-se na categoria dos direitos da quarta geração. Dentre estes avanços, atualmente ganha destaque a evolução médico-biológica, que deu origem a um novo ramo do direito, o biodireito.126 Um dos temas abordados nesse ramo é a reprodução humana assistida. Tema de grandes divergências e discussões entre os juristas, uma vez que não há regulamentação sobre o assunto. Sendo assim, a Constituição Federal com base nos seus princípios, deve ser o alicerce nas resoluções dos litígios levados a juízo, bem como a base da regulamentação competente quando de seu surgimento.127 3.3.1 O princípio da supremacia da Constituição Fed eral Esse princípio traduz a supremacia da Constituição sobre todas as outras normas jurídicas do Estado. Demonstra que a constituição encontra-se em posição 124 CANOTILHO, J.J. Gomes: MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 41 125 BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 246. 126 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009. 127 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Op. cit. 36 hierárquica superior a todas as demais normas jurídicas, sendo certo que a validade destas irá depender de sua conformidade com a Lei Maior.128 E como forma de assegurar essa supremacia, vale-se o Estado da chamada jurisdição constitucional que tem o papel de buscar a preservação da Norma Maior nas relações de conflito apresentadas.129 Não obstante a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em seu artigo 4º, determina que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Enquanto restar omissa a legislação com relação às técnicas de reprodução assistida, predomina, para alguns doutrinadores o princípio de que tudo que não é proibido é permitido. Todavia, a Constituição e seus princípios devem ser respeitados. Nenhuma técnica que vá de encontro à dignidade humana, à liberdade ou à igualdade, entre outros princípios, deve ser realizada.130 3.3.2 O princípio da dignidade da pessoa humana A “dignidade da pessoa humana” foi consagrada como fundamento da ordem jurídica da República Federativa do Brasil, expressamente consignado no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988131: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana ; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. 128 PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimim. Teoria da Constituição . Belo Horizonte: Del Rey. 2007. p. 178. 129 PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimim. Teoria da Constituição . p. 178. Op. cit. 130 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009. 131 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEFERATIVA DO BRASIL, PROMULGADA EM 05/10/1988, Disponível em: , Acesso em 10.maio.2010 37 Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifou-se)132 Assim leciona Marcelo Vicente de Alkimim Pimenta citando Ingo Wolfanf Sarlet, a dignidade da pessoa humana é: a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para a vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos distintos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.133 Com a Constituição Federal, a pessoa passou a ser o centro da proteção do direito, acarretando a despatrimonialização e a personalização dos institutos jurídicos, em especial aqueles do direito de família. Passou-se a valorizar o interesse da pessoa humana mais que suas relações patrimoniais.134 A dignidade da pessoa humana manifesta-se como abalizador dos outros princípios ditos como superiores. [...] a dignidade da pessoa humana, sob o foco da ética do amor, é o princípio que melhor expressa o compromisso jurídico para com a justiça [...] A dignidade, a exemplo da justiça, também é um “valor a priori que emerge da natureza mesma do homem”. 135 Na concepção de Cristiane Beuren Vasconcelos: Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todos e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co- responsável nos direitos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.136 132 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEFERATIVA DO BRASIL, PROMULGADA EM 05/10/1988, Disponível em: , Acesso em 10.maio.2010 133 PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimim. A Constituição consolidada – criticas e desafios -. São José: Conceito. 2008. p. 605 134 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá, 2009. p. 78 135 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito : investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002. p. 188-189. 136 VASCONCELOS, Cristiane Beuren. A proteção jurídica do ser humano in vitro na era d a biotecnologia . São Paulo: Atlas, 2006. p. 113. 38 Tal direito é assegurado a todos desde sua concepção até sua morte, alcançando todas as dimensões do ser humano corpórea, psíquica e moral. Considerando que os embriões pertencem a mesma natureza das pessoas humanas já nascidas, a eles é aplicável o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, toda e qualquer atitude que pretenda atingir negativamente um ser humano ainda não nascido está atingindo diretamente a Constituição.137 3.3.3 O direito à procriação Derivando desse direito maior, o direito à dignidade, surgiu o direito de constituir uma família, o direito à procriação. Tal direito compreende o fator meramente genético, isto é, de originar um descendente que carregue o próprio patrimônio genético. Posteriormente, acrescentou-se o direito de desenvolver a função de genitor.138 Como visto anteriormente as técnicas de reprodução humana assistida não representam a cura para a esterilidade, mas servem para propiciar às pessoas a realização do sonho de ter um filho. Intrínseco ao direito de procriação está o planejamento familiar, que além do direito à procriação há, o princípio da dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável, conforme disposto na Constituição Federal no artigo 226 §7º: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.139 137 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009. 138 LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes temas da atualidade : bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 157. 139 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEFERATIVA DO BRASIL, PROMULGADA EM 05/10/1988, Disponível em: , Acesso em 10.maio.2010 39 Segundo Eduardo de Oliveira Leite, o Estado e, principalmente, a sociedade devem auxiliar os casais a superar o obstáculo da esterilidade. Porém, deve-se observar que do direito de procriação inerente aos pais decorre direitos da criança, que também devem ser analisados.140 3.3.4 Princípio do melhor interesse da criança O princípio do melhor interesse da criança foi consagrado pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro no extinto Código de Menores, de 1979.141 Quase uma década depois, a Constituição Federal de 1988 instituiu o princípio ao assegurar diversos direitos à criança e ao adolescente no artigo 227: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; 140 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 139-149. 141 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. Estatuto da criança e do adolescente. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 2. 40 VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.142 Alguns direitos elencados neste artigo da Constituição são direitos fundamentais assegurados a todas as pessoas, como o direito à vida, à dignidade, à liberdade. E outros direitos que são pertinentes apenas à criança e ao adolescente, como o direito à profissionalização, à convivência familiar e comunitária e a regra especiais dos previdenciários e trabalhistas. Todavia, há uma prioridade que é conferida às crianças pelo constituinte que coloca a família, a sociedade e o Estado como responsáveis por todas as crianças.143 Ao tentar detalhar o preceito constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA Lei 8069 de 13 de julho de 1990) consagrou dispositivo semelhante: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.144 142 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEFERATIVA DO BRASIL, PROMULGADA EM 05/10/1988, Disponível em: , Acesso em 10.maio.2010 143 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009 144 BRASIL, Código Civil Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: , Acesso em: 10. maio. 2010 41 Assim sendo, o princípio do melhor interesse da criança aparece como vetor-guia de todas as ações relativas à criança, inserindo-se no âmbito dos direitos fundamentais da pessoa humana. 3.3.5 Princípio da igualdade A igualdade é almejada por todos os tempos e em todos os tempos. Está proclamada nas Declarações de Direitos Humanos no mundo ocidental. No Brasil, é consagrada no limiar do ordenamento jurídico pela Constituição Federal, que assegura, já em seu preâmbulo, o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.145 “A Constituição de 1988 abre o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.”146 A igualdade está inserida entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de forma implícita, no artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.147 O embrião é, em virtude do princípio da igualdade, fundado no respeito à vida e à sua dignidade, pessoa humana e, como tal, merece proteção de forma absoluta e irrestrita contra qualquer desrespeito à sua identidade e integridade, 145 PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkimim. A Constituição consolidada – criticas e desafios -. São José: Conceito. 2008. p. 451 146 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo . 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 211. 147 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, PROMULGADA EM 05/10/1988, Disponível em: , Acesso em 10.maio.2010 42 incidindo sobre ele e oponível erga omnes o mandamento constitucional da igualdade.148 3.3.6 Princípio da igualdade entre os filhos Outro princípio importante é o da igualdade entre os filhos, corroborada por meio do artigo 227 §6º, da Constituição Federal que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.149 Esse dispositivo foi repetido fielmente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA Lei nº 8.069/90), em seu artigo 20, assim como também no artigo 1.596 do Código Civil. Esses dispositivos legais regulamentam a isonomia constitucional, ou igualdade em sentido amplo, não fazendo diferença entre os filhos. A Constituição Brasileira, ao consagrar o princípio da igualdade dos filhos, o fez de maneira bastante peculiar. Em primeiro lugar, tratou de positivamente afirmar a igualdade de direitos independentemente da origem dos filhos (havidos ou não da relação de casamento ou por adoção), e, em segundo lugar, negativamente, através da proibição de designações discriminatórias.150 A Constituição Federal não permite que haja distinção entre os filhos concebidos no casamento ou fora dele, bem como entre os naturais e os adotivos, dessa forma também, na há de haver distinção ou discriminação entre os filhos nascidos entes ou após a morte de seu genitor.151 148 VASCONCELOS, Cristiane Beuren. A proteção jurídica do ser humano in vitro na era da biotecnologia. São Paulo: Atlas, 2006. p. 116. 149 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, PROMULGADA EM 05/10/1988, Disponível em: , Acesso em 10.maio.2010 150 MARQUES, Claudia Lima; CACHAPYZ, Maria Claudia; VITORIA, Ana Paulo da Silva. Igualdade entra filhos no direito brasileiro atual – Direito Pós-Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 764, 1999. p. 19 151 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009 43 Dessa maneira, a igualdade entre os filhos está respaldada não somente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código Civil de 2002, mas também pela Constituição Federal de 1988, não sendo permitida a discriminação da criança quanto a sua origem. 44 4 A PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE E O DIREITO DE HERANÇA DO CONCEBIDO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM 4.1 A FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM Com o advento das técnicas de reprodução medicamente assistida e com a possibilidade de criopreservação de sêmen e embriões humanos, a geração de filhos após a morte tornou-se viável.152 A possibilidade de ser realizada a reprodução assistida post mortem é um assunto bastante controvertido nos diversos ordenamentos jurídicos. Merece aqui o relato do caso conhecido mundialmente como “Affair Parpalaix”, em que uma mulher após ter seu marido morto tentou realizar uma inseminação artificial com o material genético deixado por este, em um banco de sêmen: Em 1984, na França, a jovem Corine Richard se apaixonou por Alain Parpalaix. O varão descobriu estar com câncer nos testículos e, no intuito de poder ter um filho com a mulher amada, depositou num banco de sêmen seu material genético para que após as sessões de quimioterapia pudesse usá-lo para gerar a almejada prole. Como previsto, a doença não só o deixou estéril, como, após alguns dias do casamento, veio a fatalizá-lo. Negado pelo banco de sêmen, Corine Richard buscou a autorização judicial para cumprir a vontade de seu falecido esposo. O banco alegava que não havia um acordo de entrega do material genético a outra pessoa, senão ao falecido, e, como na França não havia legislação que autorizava inseminação artificial post mortem, foi necessário buscar a tutela do Estado para preenchimento deste vácuo legislativo. Depois de muita batalha, o tribunal francês de Créteil condenou o banco de sêmen na entrega do material para um médico designado pela viúva. Infelizmente, pela morosidade da ação, a inseminação artificial não foi realizada, pois, os espermatozóides não estavam mais próprios à fecundação.153 152 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente. Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009. 153 Situação Relatada por FREITAS, Douglas Phillips, Reprodução assistida após a morte e o direito de herança , disponível em: . Acesso em: 01.nov.2009. 45 No dia 11 de janeiro de 2010 o site de notícias “g1.globo.com” veiculou a notícia de que uma britânica teria dado a luz à gêmeos, utilizando para isso o sêmen de seu falecido marido: Britânica tem gêmeos com sêmen de marido morto há dois anos - Mãe decidiu manter planos de engravidar por inseminação artificial após morte do pai. Uma mulher britânica teve filhos gêmeos quase dois anos após a morte do pai das crianças. Kelly Bowen, do País de Gales, concebeu os filhos com esperma congelado do marido, Gavin, morto de câncer em abril de 2008, aos 22 anos. O casal já tinha outro filho, nascido em outubro de 2007 após um tratamento para fertilização, quando Gavin já havia sido diagnosticado com câncer. Kelly e Gavin casaram-se dois dias antes da morte de Gavin "Por causa do tratamento de quimioterapia contra o câncer, meu marido teve que congelar seu esperma, e tivemos um filho, Shay, por inseminação artificial em outubro de 2007", contou Kelly, de 25 anos, ao jornal local "Glamorgan Gazette". "Antes que ele morresse, decidimos que queríamos um irmão ou uma irmã para Shay, mas ele morreu muito pouco tempo depois. Mas depois que ele morreu, pensei: 'Vou continuar com isso'", disse. "Tentei duas vezes a inseminação artificial, e não havia funcionado. Na terceira tentativa, que seria a última, funcionou", afirmou Kelly Os bebês, a menina Ruby Gracie, e o menino Chaise Gavin, nasceram no dia 31 de dezembro, nove dias antes do previsto.[...]154 No dia 25 de abril do corrente ano, o mesmo site de notícias divulgou que, no Brasil uma mulher estaria lutando judicialmente para ter um filho do noivo que já morreu: Mulher luta para conseguir ter filho de noivo que já morreu. Ela conseguiu na Justiça autorização para tirar espermatozóide dele. No Brasil, ainda não existe lei sobre fertilização após a morte. Uma mulher conseguiu autorização para retirar espermatozóides do noivo depois que ele morreu e agora luta pelo direito de conceber um filho do noivo morto. “Uma parte de mim, de todos meus sonhos de cinco ou seis anos tem de morrer junto com ele?”, diz Nara Azzolini. Ela e Bruno se conheceram na adolescência e tiveram um namoro rápido. Só se reencontraram cinco anos atrás; ela com 28 e ele com 31 anos. A paixão voltou com toda força. Eles queriam muito ter um filho. Estavam se planejando para isso. Mas uma fatalidade mudou o destino do casal para sempre. [...] Nara e a família de Bruno procuraram um centro de fertilidade que funciona dentro de um hospital. “O que eles queriam era o congelamento do sêmen do rapaz. Assim que eles chegaram, nós orientamos que precisavam de uma autorização judicial por ser uma coisa incomum, por não existir uma legislação especifica sobre o assunto”, disse a médica Cecília Erthal. Em menos de 12 horas, a família conseguiu autorização do juiz. “Foi um alívio, uma esperança de continuar uma vida. Um projeto que, naquele momento, era tudo que a gente queria”, disse Eliane. [...]155 154 G1 NOTICIAS, Britânica tem gêmeos com sêmen de marido morto há d ois anos . Disponível em: . Acesso em: 12.jan.2010 155 G1 NOTICIAS, Mulher luta para conseguir ter filho de noivo que j á morreu . Disponível em: . Acesso em: 26.abr.2010. 46 E no dia 25 de maio deste ano, o site de notícia “Jornale” veiculou a notícia de que uma curitibana ganhou o direito de ser inseminada com o sêmen de seu marido morto: Curitibana ganha direito de engravidar do marido morto - Katia pode ser a primeira brasileira a engravidar de sêmen de doador falecido. A justiça brasileira, demorou apenas dois dias, entre 12 e 14 de maio, para autorizar, pela primeira vez, uma inseminação de sêmen de um doador falecido. Roberto Jefferson Niels, de 33 anos, morreu, em fevereiro deste ano, em decorrência de um câncer, e sua mulher, Kátia Lerneneier, entrou com uma ação judicial, para ter o direito de utilizar o material genético do marido para gerar um filho. O processo foi iniciado após o laboratório em que o sêmen se encontra, se recusar a realizar o procedimento sem autorização expressa do doador, pois se trata de uma norma do Conselho Federal de Medicina (CFM). “Quando tomei a decisão de querer engravidar, não imaginei a proporção que o caso daria, nem a resistência que encontrei”, conta a professora Kátia Lerneneier, de 38 anos. Ela e o marido eram casados há cinco anos e tentavam engravidar quando Roberto diagnosticou um câncer. O médico então orientou o casal a congelar o sêmen porque a quimioterapia poderia resultar em infertilidade. “Eu não pensava na possibilidade da morte dele, eu espera pela cura para que depois pudéssemos ter o nosso filho”, explica. Com a morte do esposo, em março Katia decidiu que queria ter um filho do marido. “No começo a mãe dele ficou assustada porque ninguém sabia que o sêmen estava guardado, mas passado o susto toda a família me apoiou.[...]”156 Verifica-se assim, que a muito vem se discutindo quanto à possibilidade de a mulher poder gerar um filho com o material genético criopreservado de seu marido morto. Discuti-se também, os direitos sucessórios dos infantes gerados por reprodução humana post mortem. Em alguns países, a legislação, no que conserve a possibilidade da reprodução post mortem já está bem mais evoluída do que a do Brasil. Dessa forma tem-se que: na Alemanha e Suécia é vedada a inseminação post mortem; na França veda-se a inseminação post mortem, e ainda tem-se que o consentimento externado em vida perde feito; na Espanha é vedada a inseminação post mortem, mas garante- se os direitos ao nascituro quando houver declaração escrita por escritura pública ou testamento. Por fim, na Inglaterra permite-se a inseminação post mortem, mas não 156 JORNALE, Curitibana ganha direito de engravidar do marido mo rto . Disponível em: . Acesso em 26.maio.2010. 47 garante direitos sucessórios, a não ser que haja documento expresso neste sentido.157 Já no Brasil, até o momento não há legislação que ampare e/ou regulamente as técnicas de reprodução assistida. O que há, são dispositivos do Código Civil que segundo o doutrinador Silvio de Salvo Venosa não autorizam e nem regulamentam a reprodução assistida: [...] advirta-se, de plano, que o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema.158 4.2 A PRESUNÇÃO DE FILIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA A utilização das técnicas de reprodução humana assistida tornou possível a procriação, através de método artificial em contraposição à relação sexual. Sem dúvida, tal situação gerou novas situações e trouxe consequências no campo do Direito de Família, em especial, nas relações de filiação e parentesco, que em face de sua magnitude mereceram especial atenção.159 Para Maria Helena Diniz, “dentre as várias espécies de parentesco, o denominado natural, ou consanguíneo, é aquele que retrata o vínculo entre as pessoas que partilham um mesmo tronco ancestral, ligadas, portanto, pelo sangue”.160 Na vigência do Código Civil de 1916 a presunção de filiação era regulada pelo artigo 338 que estabelecia a presunção da concepção na constância do casamento dos filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a 157 PINTO, Carlos Alberto Ferreira, Reprodução assistida: inseminação artificial homólo ga post mortem e o direito sucessório . Recanto das Letras. São Paulo, 28 Fev. 2008. Disponível em: ; Acesso em: 07.mar.2010. 158 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família . 7. ed. v. 6. São Paulo: Atlas, 2007. p. 256 159 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá, 2009. p. 99 160 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro , v. 5: direito das sucessões. 17 ed. ver. e atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 391 48 convivência conjugal, em seu inciso I, e, no inciso II, os nascidos dentro dos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.161 O Novo Código Civil de 2002, em seu artigo 1.597, acrescentou mais três incisos para a presunção de paternidade, o legislador de forma inicial procurou a adequação da norma frente aos avanços científicos, tendo em evidência as novas técnicas de reprodução assistida:162 Art. 1597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. Os incisos III e IV do artigo 1.597 do Código Civil atribui a paternidade dos filhos havidos por inseminação artificial homologa ao marido ou companheiro, mesmo que o nascimento tenha ocorrido após o falecimento deste, e tenham sido utilizados os embriões excedentários.163 A inseminação artificial post mortem é espécie de inseminação artificial homóloga, à medida que o material genético utilizado no procedimento é fornecido pelo próprio casal que se submete à reprodução assistida, no entanto, nesses casos surgem algumas dúvidas quanto à filiação, visto que a esposa ou companheira será inseminada com os gametas de seu marido ou companheiro já falecido.164 A Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina estabelece a necessidade de haver o consentimento livre e informado de ambas as partes para 161 PINTO, Carlos Alberto Ferreira, Reprodução assistida: inseminação artificial homólo ga post mortem e o direito sucessório . Recanto das Letras. São Paulo, 28 Fev. 2008. Disponível em: ; Acesso em: 07.mar.2010. 162 PINTO, Carlos Alberto Ferreira, Reprodução assistida: inseminação artificial homólo ga post mortem e o direito sucessório . Op. cit. 163 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá, 2009. p. 102 164 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: Acesso em: 20/09/09. 49 que possa ser realização do procedimento. Esta regra presta-se a evitar eventuais alegações de erros ou vícios de vontade como forma de questionar a filiação.165 Assim, segundo a lei, se o marido consentiu na realização da inseminação artificial com seu material genético, aceitou a paternidade do filho, independentemente, da época da concepção e do nascimento. Dessa feita, os filhos que resultarem de embriões com material genético do marido e da mulher gozam da presunção de paternidade, pois a procedência do material é conhecida. Realizada, pois, a inseminação artificial com sêmen do marido ou companheiro, estabelece-se a presunção de filiação.166 O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 1.358/92, exige que o casal autorize a utilização do material genético após a morte de um deles ou de ambos.167 Assim sendo, Rolf Madeleno explica que: [...] conseqüentemente, a possibilidade de a viúva proceder à inseminação artificial homóloga após a morte do marido prevista no inc. III do art. 1.597 só poderá ser levada a efeito se já constar de autorização expressa deixada pelo esposo sucedido em documento de consentimento de precedente posse da clinica, centros ou serviços especializados na aplicação das técnicas de reprodução assistida, ou se em vida o marido se expressou por testamento ou por documento autêntico. 168 Portanto, tem-se que a viúva só poderá utilizar o sêmen de seu falecido marido para inseminação artificial post mortem se houver expressa autorização do doador em escrito particular ou em testamento. De outro turno o Código Civil em vigor silenciou sobre o estado civil da mulher que desejasse utilizar o material genético do falecido marido. A fim de solucionar o problema o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 106 em se que estabelece que: Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.169 165 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá, 2009. p. 101. 166 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . p. 102. Op. cit. 167 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . p. 102. Op. cit. 168 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família . Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 388. 169 Portal da Justiça Federal. Jornada de direito civil – Enunciados aprovados. Disponível em: www.justicafederal.gov.br. Acesso em: 15.maio.2010. 50 Vale aqui acrescentar, o entendimento de Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho sobre o assunto: Encontrando-se o cônjuge sobrevivente na condição de viúvo(a) e havendo autorização expressa do outro cônjuge à realização da inseminação póstuma não há qualquer dúvida sobre a incidência da presunção estabelecida na legislação civil. É importante acrescentar que a obrigação de o cônjuge ou companheiro sobrevivente se submeter à inseminação post mortem é apenas de natureza moral, tendo em vista que não estaria juridicamente obrigado a realizar o desejo manifestado em vida pelo falecido.170 Apesar do Código Civil nada mencionar a respeito da condição de viuvez e da autorização escrita do marido, parece acertada a interpretação para que não haja confusão de sangue e para que essa técnica não seja utilizada maliciosamente pela viúva em prejuízo de determinado herdeiro necessário.171 Destarte, a criança gerada através da realização da inseminação artificial mesmo se falecido o marido, tem direito à presunção da filiação como concebida na constância do casamento por fecundação artificial homóloga, nos termos do artigo 1597, inciso III, do Código Civil.172 Do ponto de vista biológico, tais hipóteses não apresentam maiores indagações quanto à paternidade, já que o material utilizado pertence ao casal, de forma que o filho gerado será biologicamente filho do marido e da mulher, embora provoque discussões no âmbito do direito sucessório, considerando que o filho, fruto da inseminação artificial homóloga, pode nascer e até mesmo ser concebido após a morte de seu genitor.173 170 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: . Acesso em: 20/09/09. 171 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009. 172 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório . Op. cit. 173 FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá, 2009. p. 104 51 4.3 AS POSIÇÕES DOUTRINARIAS ACERCA DOS EFEITOS DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM NOS DIREITOS DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES Existem duas correntes básicas que dividem os doutrinadores no sentido de saber se à vontade de procriar deve ser protegida para além da morte.174 A primeira defende essa posição por entender ser direito da criança, a existência. A outra posição sustenta a impossibilidade dessa técnica como forma de assegurar o direito do filho a uma estrutura familiar formada por ambos os pais.175 Para a corrente restritiva mesmo que haja manifestação de vontade por parte do doador à criopreservação do sêmen ou do óvulo para a inseminação artificial post mortem, o óbito funciona como causa revogatória da permissão ao emprego da técnica médica.176 Quanto aos efeitos da inseminação artificial post mortem existem três posições doutrinarias à estudar: A primeira posição é a que pode-se chamar de “excludente”, pois dispõe que a criança nascida por inseminação artificial homóloga post mortem não terá direito nenhum, quer no âmbito do direito de família quer do direito sucessório. Além disso, os defensores desta corrente entendem que há uma proibição para a realização de tal prática.177 Para Mônica Aguiar, mesmo que ocorra tal inseminação, a morte revogaria o consentimento do doador, sendo assim, o concebido por meio de inseminação póstuma será filho apenas do cônjuge sobrevivente.178 No mesmo sentido Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior afirma que “o embrião fecundado post mortem não teria direito sucessório algum, pois não é pessoa concebida e muito menos pessoa nascida”179 174 AGUIAR, Mônica. Direito à filiação e bioética . Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 117 175 AGUIAR, Mônica. Direito à filiação e bioética . p. 117. Op. cit. 176 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: . Acesso em: 20/09/09. 177 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório . Op. cit. 178 AGUIAR, Mônica. Direito à filiação e bioética . p. 117. Op. cit. 179 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Técnicas de reprodução assistida e o biodireito . Disponível em . Acesso em 10.0ut.2009. 52 A segunda posição, pode ser chamada de relativamente excludente, pois admite que a criança terá os direitos referentes a filiação, sem contudo reconhecer a condição de herdeiro do genitor pré-morto.180 Neste aspecto Caio Mario Pereira da Silva, adverte: [...] não se pode falar em direitos sucessórios daquele que foi concebido por inseminação artificial post mortem, uma vez que a transmissão da herança se dá em conseqüência da morte e dela participam as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1.798).181 Para Eduardo de Oliveira Leite, “solução favorável à criança ocorreria se houvesse disposição legislativa favorecendo o fruto da inseminação post mortem. Sem aquela previsão não há que se cogitar a possibilidade de eventuais direitos sucessórios.”182 Há ainda alguns autores que defendem a possibilidade do filho concebido após a morte do autor da herança, ser contemplado em testamento, ou seja esta criança só poderia ser herdeiro testamentário, não se encaixando dentre os herdeiros legítimos. Para Silvio de Salvo Venosa, o artigo 1.799, I, do Código Civil abriu uma exceção permitindo que na sucessão testamentária possam ser chamadas a suceder, “os filhos ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testamento, desde que vivas estas ao abrir-se à sucessão”. Nesse caso, os bens serão confiados após a partilha à curador nomeado pelo juiz, conforme artigo 1.800, desse mesmo diploma. Todavia, passados dois anos da abertura da sucessão, não havendo o nascimento desse herdeiro, os bens passarão aos herdeiros legítimos, salvo disposição em contrário do testador, consoante o § 4º do referido artigo.183 Contudo, Maria Berenice Dias relembra que a inseminação post mortem não é proibida e que a Constituição consagra a igualdade entre os filhos, de forma que não se pode admitir que a legislação infraconstitucional restrinja o direito do filho, devendo-se reconhecer amplos direitos sucessórios.184 180 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório . Op. cit. 181 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil . V. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 318. 182 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código Civil , do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XXI. p. 110. 183 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : direito das sucessões. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 76. 184 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias , São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 331 53 4.4 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE HERANÇA PARA O CONCEBIDO POST MORTEM A terceira corrente é a que se pode chamar de inclusiva, pois reconhece plenos efeitos à inseminação artificial homóloga post mortem, admitindo iguais direitos na seara do direito de família e no âmbito das sucessões, àquele nascido mediante essa técnica.185 Os doutrinadores que compartilham de tal entendimento o fazem por entender que se trata de inseminação artificial homóloga, uma vez que o material genético, sêmen e óvulo, é do casal que pretende realizar o procedimento. Portanto, biologicamente falando, não há qualquer dúvida quanto à paternidade e maternidade.186 Tem-se ainda, que a Constituição Federal veda a desigualdade entre os filhos e o caput do artigo 1.597 do Código Civil assegura a presunção de concepção na constância do casamento, ou seja, estando vivo o pai. No caso estaria se dando especial valor aos princípios constitucionais da igualdade entre os filhos e da liberdade do casal quanto ao planejamento familiar.187 O que se constata aqui é a existência de duas normas legais que devem ser interpretadas sistematicamente. A primeira é a regra estabelecida pelo artigo 1.597, inciso III do Código Civil, que trata da presunção de filiação no caso da inseminação artificial homóloga após a marte do genitor. A segunda vem descrita no artigo 1.798 do mesmo diploma, no sentido de que só tem legitimidade para suceder quem já estava vivo, ou ao menos concebido, no momento da abertura da sucessão.188 Para Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho: 185 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: . Acesso em: 20/09/09. 186 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório . Op. cit. 187 PINTO, Carlos Alberto Ferreira, Reprodução Assistida: Inseminação artificial homóloga post mortem e o direito sucessório. São Paulo: Recanto das Letra. 28 Fev. 2008. Disponível em: Acesso em: 07 mar. 2010. 188 DELFIM, Marcio Rodrigo, As implicações jurídicas decorrentes da inseminação artificial homóloga "post mortem" , Disponível em: . Acesso em: 10/09/09. 54 A interpretação do sistema jurídico é que vai dar a perfeita compreensão da dimensão jurídica do tema da fecundação artificial post mortem, a começar pela interpretação necessária do artigo 226 da Constituição Federal, que ao tratar da família, como base da sociedade, não fez qualquer referência a que tipo de família o Estado garante especial proteção. Nos parágrafos do referido dispositivo constitucional o legislador menciona expressamente, como entidades familiares, o casamento, a união estável e a entidade monoparental.189 Segundo Paulo Luiz Netto Lobo “[...] o caput do art. 226 é cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade”190, e conclui: Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.191 Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho citando Paulo Luiz Netto Lobo relembra que o planejamento familiar é de livre decisão do casal: O planejamento familiar é de livre deliberação do casal, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, nos termos do artigo 226, § 7º, da Magna Carta, vedada qualquer forma coercitiva, para o exercício desse direito, por parte de instituições oficiais ou privadas. Ademais, não se pode negar a possibilidade de a pessoa sozinha ter um projeto parental que atenda perfeitamente aos interesses da criança, o que vem de encontro ao contido na Lei nº 9.263/96, que prevê, no seu artigo 3º, caput, que o planejamento familiar é parte integrante de várias ações em prol da mulher, do homem ou do casal, numa perspectiva mais abrangente que a do texto constitucional, mas perfeitamente adequada ao nosso sistema jurídico. Nos termos da legislação supramencionada entende-se por planejamento familiar o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta iguais direitos de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal, enquanto, no plano governamental, o planejamento familiar deverá ser dotado de natureza promocional, não coercitiva, orientado por ações preventivas e educativas.192 Quando se pensa em planejamento familiar, não se pode limitar apenas, a saber, o número de filhos que um casal pretende ter. Os pais, dentro do possível, 189 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: . Acesso em: 20/09/09. 190 LÔBO, PAULO LUIZ NETTO. Código Civil Comentado: direito de família . Relações de parentesco. Direito Patrimonial. Álvaro Vilaça Azevedo (coord.). São Paulo: Atlas, 2003. v. XVI. p. 89 191 LÔBO, PAULO LUIZ NETTO. Código Civil Comentado: direito de família . Relações de parentesco. Direito Patrimonial. Álvaro Vilaça Azevedo (coord.). p. 95. Op. cit. 192 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório . Op. cit. 55 devem tentar propiciar os meios necessários para que sua prole se desenvolva da melhor forma possível, sem diferenciar o tratamento entre eles.193 Para Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho um sistema jurídico que reconhece o pluralismo das entidades familiares e a plena liberdade do planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, não pode permitir que haja uma regra restritiva à reprodução assistida post mortem. Além disso, segundo ele, é perfeitamente possível que um projeto parental se inicie em vida e se concretiza após a morte de um dos cônjuges ou companheiros.194 Neste sentido, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, entende que: Supondo que tenha havido a autorização e que os demais requisitos tenham sido observados, admitindo-se, assim, a inseminação post mortem, operar-se-á o vinculo parental de filiação, com todas as conseqüências daí resultantes, conforme a regra basilar da Constituição Federal, pelo seu art. 226, § 6º, incluindo os direitos sucessórios relativamente à herança do pai falecido.195 Para Marcio Rodrigo Delfim, o filho gerado por tal técnica deve ter exatamente os mesmos direitos que são assegurados aos seus irmão biológicos concebidos ou nascidos antes da morte do genitor. Pois, tal interpretação é condizente com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana: igualdade entre os filhos e do planejamento familiar.196 A Constituição Federal preceitua em seu artigo 227 §6º a igualdade entre os filhos não admitindo nenhuma exceção a essa isonomia. Desse modo, o filho mesmo que concebido após a morte de um de seus genitores é parente em primeiro grau do de cujus. Esse reconhecimento é o mesmo presumido pelo artigo 1.597, III, 193 RIGO, Gabriella Bresciani, O status de filho concebido post mortem perante o d ireito sucessório na legislação vigente . Disponível em: Acesso em: 10 set. 2009. 194 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: . Acesso em: 20/09/09. 195 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. As inovações biotecnológicas e o direito das sucessões . em 22 de abril de 2007. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=290. Acesso em: 15 dez 2007. 196 DELFIM, Marcio Rodrigo, As implicações jurídicas decorrentes da inseminação artificial homóloga "post mortem" , Disponível em: . Acesso em: 10/09/09. 56 do Código Civil ao admitir como concebido na constância do casamento o filho “havido por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”.197 Eduardo de Oliveira Leite ao tratar da igualdade entre os filhos afirma que o artigo 227 §6º, da Carta Magna, “proibiu tratamento discriminatório aos filhos, independente de sua origem.”198 Ao tratar dos efeitos sucessórios da inseminação póstuma, o doutrinador José Luiz Gavião de Almeida comenta que o legislador atual apenas repetiu o contido no antigo Código Civil que beneficiava o concepturo, ou seja, o embrião ainda não concebido apenas na sucessão testamentária porque era impossível com os conhecimentos da época, imaginar-se que um morto pudesse ter filhos. E conclui: E reconhecendo o legislador efeitos pessoais ao concepturo (relação de filiação), não se justifica o plurido de afastar os efeitos patrimoniais, especialmente o hereditário. Essa sistemática é reminescência do antigo tratamento dado aos filhos, que eram diferenciados conforme a chancela que lhes era aposta no nascimento. Nem todos os ilegítimos ficavam sem direitos sucessórios. Mas os privados desse direito também não nascia relação de filiação. Agora, quando a lei garante o vínculo, não se justifica privar o infante de legitimação para recolher a herança. Isso mais se justifica quando o testamentário tem aptidão para ser herdeiro.199 Ademais, a Constituição Federal garante o direito de herança no artigo 5º, inciso XXX, sem estabelecer nenhuma restrição, motivo pelo qual estende-se que, diante dos avanços tecnológicos e científicos, sendo possível hoje em dia a realização de inseminação artificial homóloga póstuma, seria inconstitucional a interpretação restritiva do artigo 1.798 do Código Civil.200 Existe ainda uma questão de grande relevância e pouco enfrentada que diz respeito à fixação de prazo para a utilização, pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente, do material genético criopreservado. Segundo Juliane Fernandes Queiroz, a não-fixação de prazo para a fecundação artificial post mortem ocasionaria a perspectiva da utilização da ação de petição de herança pela criança gerada na reprodução medicamente assistida, sendo que os seus efeitos patrimoniais se submeteriam ao prazo previsto para 197 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: . Acesso em: 20/09/09. 198 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código Civil , do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XXI. p. 37. 199 ALMEIDA, José Luiz Gavião. Código Civil Comentado . Direito das sucessões. Sucesão em geral. Sucessão legítima. São Paulo: Atlas, v. XVIII, 2003.p. 104. 200 DELFIM, Marcio Rodrigo, As implicações jurídicas decorrentes da inseminação artificial homóloga "post mortem" , Disponível em: . Acesso em: 10. set.2009. 57 prescrição aquisitiva, uma vez que, o sêmen pode ficar criopreservado por anos ou décadas e, só após ser utilizado, sendo altamente prejudicial à ordem jurídica a espera indefinida de uma possível prole.201 Assim, caberia ao autor da sucessão quando manifestou a sua vontade por documento escrito ou por testamento fixar o prazo de espera do nascimento dos filhos, o qual não deve ultrapassar os dois anos previstos para concepção da prole eventual de terceiro, ou não havendo prazo previamente estabelecido aplicar-se, por analogia, o prazo constante do artigo 1.800, § 4º, do Código Civil, ou seja, de dois anos a contar da abertura da sucessão.202 Verifica-se assim, que em função da igualdade da filiação, preceito esse defendido pela Constituição Federal, é vedada qualquer discriminação quanto à origem da criança, ou seja, os filhos são todos filhos, independentemente de terem sido adotados ou de terem nascidos antes ou depois da morte de um de seus progenitores. Ignorar tal fato e de terem direito à herança acarretaria em violação gravíssima a preceitos constitucionais como o da igualdade entre os filhos, dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança. A violação de tais ditames atacaria inclusive, a função social da herança que consiste na possibilidade de prover a sobrevivência dos herdeiros.203 201 QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade : aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horisonte: Del Rey, 2001. p. 80 202 QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade : aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. p. 80. Op. cit. 203 HENRIQUES, Fernanda de Borges, A repercussão da reprodução assistida "post mortem" e o direito de herança. Disponível em: Acesso em: 10.out.2009. 58 5 CONCLUSÃO O mundo vem passando por profundas modificações sociais, científicas e tecnológicas, sendo que a área da biomedicina certamente foi à área com maiores avanços. Entre tais avanços está a implementação da reprodução humana assistida, que veio para auxiliar casais com dificuldades para a procriação, tendo em vista que a esterilidade conjugal destrói o sonho de muitos casais gerarem um filho. Com o advento da criopreservação, surgiu a possibilidade de fertilização post mortem. No entanto, este procedimento vem causando muitos problemas na área jurídica, principalmente no direito sucessório. Apesar de se tratar de fertilização homóloga, a reprodução póstuma causa muitas discussões no que se refere ao direito inerente à criança concebida por este meio. Para que a fertilização possa ocorrer, primeiro é necessário o consentimento expresso do autor da herança, manifestado através de documento escrito ou por testamento. Em segundo lugar é preciso que o cônjuge ou companheiro sobrevivente esteja na condição de viúvo ou não tenha constituído uma outra união estável, a fim de evitar a confusão de paternidade. Por fim, mostra- se necessário a fixação de prazo para que a concepção ocorra, sendo que não deve ultrapassar os dois anos previstos para a concepção da prole eventual de terceiro, se assemelhando ao prazo do artigo 1.800 §4º do Código Civil. Quanto ao reconhecimento de paternidade percebe-se que não há muitos problemas, tanto do ponto de vista biológico, um vez que o material genético utilizado é do casal que realizara o procedimento, quanto do ponto de vista jurídico, já que o Código Civi,l em seu artigo 1.597, III, aduz que presume-se filho os “havidos por fecundação artificial homóloga mesmo que falecido o marido”. O problema maior se encontra com relação ao direito hereditário. Não há, no Brasil, ainda jurisprudência sobre o assunto, mas grande parte da doutrina nega o direito de suceder ao filho concebido post mortem. O fundamento utilizado é o conteúdo do artigo 1.798 do Código Civil, ou seja, “são legitimados a suceder aqueles já nascidos ou concebidos ao tempo da abertura da sucessão”. E como este filho será concebido tempos após a morte de um de seus genitores, há a negativa de direito sucessório. Para tal corrente, não há 59 a possibilidade de haver inseminação post mortem, tendo em vista que o rebento gerado por este meio já nasceria órfão. Até o momento, não há no Brasil legislação que disponha acerca da possibilidade ou não de se realizar tal procedimento, muito menos quais serão os reflexos da utilização destas técnicas e as possíveis consequências jurídicas decorrentes de tais práticas. Apesar de grande parte da doutrina entender que o filho concebido post mortem não terá nenhum direito sucessório, há uma outra corrente que entende que se o Código Civil presume que o filho concebido nestas condições é filho do autor da herança e a Constituição Federal em seu artigo 227, §6º veda a discriminação entre os filhos, a criança nascida por meio desta técnica tem o mesmo direito à sucessão em comparação com os demais herdeiros da mesma classe e de mesmo grau. O assunto é muito polêmico, porém, a proibição total da utilização de técnicas de reprodução assistida pela viúva não se mostra a melhor solução para o problema, tendo em vista a liberdade irrestrita. O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar a discussão sobre o tema desenvolvido, mas sim o de informar sobre as divergências doutrinárias que se desenvolvem face à carência legislativa. 60 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de, Fecundação artificial post mortem e o direito sucessório , Disponível em: . Acesso em: 20/09/09. ALMEIDA, Aline Mignon. Bioética e biodireito, Rio de Janeiro: Lúmen júris, 2000. ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Técnicas de reprodução assistida e o biodireito . Disponível em . Acesso em 10.0ut.2009. ALMEIDA, José Luiz Gavião. Código Civil Comentado . Direito das sucessões. Sucesão em geral. Sucessão legítima. São Paulo: Atlas, v. XVIII, 2003. BARBOZA, Heloísa Helena. A filiação – em face da inseminação artificial e da fertilização “in vitro”. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. BRASIL. Constituição Federal da Republica Federativa do Bra sil. 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De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva, 2006. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias , São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. FERNANDES, Silvia da Cunha. As técnicas de reprodução assistida e a necessidade de sua regulamentação jurídica . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas conseqüências nas relações de família . Curitiba: Juruá, 2009. FREITAS, Douglas Phillips. Curso de Direito das Sucessões . Blumenau: Voxlegem. 2006. ______ Reprodução assistida após a morte e o direito de he rança , disponível em: . Acesso em: 01.nov.2009. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. GONÇALVES, Fernando David de Melo, As técnicas de reprodução humana assistida, Disponível em: Acesso em: 20 out. 09. G1 NOTICIAS. Britânica tem gêmeos com sêmen de marido morto há d ois anos . Disponível em: . Acesso em: 12.jan.2010 62 G1 NOTICIAS. Mulher luta para conseguir ter filho de noivo que j á morreu . Disponível em: . Acesso em: 26.abr.2010. HENRIQUES, Fernanda de Borges, A repercussão da reprodução assistida "post mortem" e o direito de herança. Disponível em: Acesso em: 10.out.2009. JORNALE, Curitibana ganha direito de engravidar do marido mo rto. Disponível em: . Acesso em 26.maio.2010. KRELL, Olga Gouveia Jubert. Reprodução humana assistida e filiação civil. Princípios técnicos e jurídicos . Curitiba: 2007. LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo código Civil, do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XXI. ______ (Coord.). Grandes temas da atualidade : bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. ______ Procriações artificiais e o direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. LÔBO, PAULO LUIZ NETTO. Código Civil Comentado: direito de família. 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São Paulo: Atlas, 2004. 65 ANEXOS RESOLUÇÃO CFM nº 1.358/92 O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la; CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários dos casos de infertilidade humana; CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais; CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios da ética médica; CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992; RESOLVE: Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos. Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação. São Paulo-SP, 11 de novembro de 1992. IVAN DE ARAÚJO MOURA FÉ Presidente HERCULES SIDNEI PIRES LIBERAL Secretário-Geral Publicada no D.O.U dia 19.11.92-Seção I Página 16053. NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA I - PRINCÍPIOS GERAIS 1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade. 2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente. 3 - O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já 66 obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil. 4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer. 5 - É proibido a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana. 6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade. 7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária. II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA 1 - Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e conciente em documento de consentimento informado. 2 - Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado. III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico humano para a usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos: 1 - um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico. 2 - um registro permanente (obtido através de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões. 3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças. IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES 1 - A doação nunca terá caráter lucrativa ou comercial. 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. 4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. 67 5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes. 6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora. 7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA. V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES 1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões. 2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído. 3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los. VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica. 1 - Toda intervenção sobre pré-embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal. 2 - Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões "in vitro", não terá outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal. 3 - O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões "in vitro" será de 14 dias. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO) As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética. 1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. FONTE: 68 ANEXO A G1 - O Portal de Notícias da Globo 11/01/10 - 09h25 - Atualizado em 11/01/10 - 10h12 Britânica tem gêmeos com sêmen de marido morto há d ois anos Mãe decidiu manter planos de engravidar por inseminação artificial após morte do pai. Da BBC 'Antes que ele morresse, decidimos que queríamos um irmão ou uma irmã para Shay, mas ele morreu pouco tempo depois', conta Kelly (Foto: Media Wales / BBC) Uma mulher britânica teve filhos gêmeos quase dois anos após a morte do pai das crianças. Kelly Bowen, do País de Gales, concebeu os filhos com esperma congelado do marido, Gavin, morto de câncer em abril de 2008, aos 22 anos. Media Wales / BBC O casal já tinha outro filho, nascido em outubro de 2007 após um tratamento para fertilização, quando Gavin já havia sido diagnosticado com câncer. Kelly e Gavin casaram-se dois dias antes da morte de Gavin "Por causa do tratamento de quimioterapia contra o câncer, meu marido teve que congelar seu esperma, e tivemos um filho, Shay, por inseminação artificial em outubro de 2007", contou Kelly, de 25 anos, ao jornal local "Glamorgan Gazette". "Antes que ele morresse, decidimos que queríamos um irmão ou uma irmã para Shay, mas ele morreu muito pouco tempo depois. Mas depois que ele morreu, pensei: 'Vou continuar com isso'", disse. "Tentei duas vezes a inseminação artificial, e não havia funcionado. Na terceira tentativa, que seria a última, funcionou", afirmou Kelly. Sarcoma de Ewing Os bebês, a menina Ruby Gracie, e o menino Chaise Gavin, nasceram no dia 31 de dezembro, nove dias antes do previsto. "Os dois passam muito bem", disse a mãe. Kelly e Gavin haviam se conhecido por meio de amigos em comum e namoraram por um ano e meio até que ele foi diagnosticado, em junho de 2006, com Sarcoma de Ewing, um tipo raro de câncer que acomete homens adolescentes. Ele passou por tratamento, mas em 2008 reclamou do que parecia ser uma infecção no pulmão e descobriu que o câncer havia se espalhado para o órgão. Os dois se casaram em abril do ano passado, dois dias antes da morte de Gavin. G1 NOTICIAS, Britânica tem gêmeos com sêmen de marido morto há d ois anos . Disponível em: . Acesso em: 12.jan.2010 69 ANEXO B G1 - O Portal de Notícias da Globo 25/04/2010 21h01 - Atualizado em 25/04/2010 22h45 MULHER LUTA PARA CONSEGUIR TER FILHO DE NOIVO QUE J Á MORREU ELA CONSEGUIU NA JUSTIÇA AUTORIZAÇÃO PARA TIRAR ESPERMATOZÓIDE DELE. NO BRASIL, AINDA NÃO EXISTE LEI SOBRE FERTILIZAÇÃO APÓS A MORTE. Do G1, com informações do Fantástico Uma mulher conseguiu autorização para retirar espermatozóides do noivo depois que ele morreu e agora luta pelo direito de conceber um filho do noivo morto. “Uma parte de mim, de todos meus sonhos de cinco ou seis anos tem de morrer junto com ele?”, diz Nara Azzolini. Ela e Bruno se conheceram na adolescência e tiveram um namoro rápido. Só se reencontraram cinco anos atrás; ela com 28 e ele com 31 anos. A paixão voltou com toda força. Eles queriam muito ter um filho. Estavam se planejando para isso. Mas uma fatalidade mudou o destino do casal para sempre. “Ele teve um aneurisma. Falaram que o caso era irreversível, que ele não tinha como mais voltar, que ele teve sete isquemias, não tinha retorno, que o caso dele é sem retorno, que ia morrer nas próximas horas. Era só esperar”, disse a mãe de Bruno, Eliane Leite. Foi o que aconteceu. Bruno morreu no ano passado. Mas a história de Nara e Bruno não acaba aí. Quando os pais e a noiva receberam a notícia de que as chances dele sobreviver eram pouquíssimas, juntos, eles tomaram uma decisão: Nara levaria adiante mesmo assim o seu sonho de ser mãe. “Você perde a pessoa que você ama e naquele momento você pode decidir que uma parte dele continuar, uma parte dos nossos sonhos, o único que pode ser dado continuidade”, contou Nara. Nara e a família de Bruno procuraram um centro de fertilidade que funciona dentro de um hospital. “O que eles queriam era o congelamento do sêmen do rapaz. Assim que eles chegaram, nós orientamos que precisavam de uma autorização judicial por ser uma coisa incomum, por não existir uma legislação especifica sobre o assunto”, disse a médica Cecília Erthal. Em menos de 12 horas, a família conseguiu autorização do juiz. “Foi um alívio, uma esperança de continuar uma vida. Um projeto que, naquele momento, era tudo que a gente queria”, disse Eliane. Como foi feito? Foi preciso fazer uma cirurgia. O paciente já estava em morte cerebral. “Morte cerebral significa que não existe mais o cérebro. Não manda comandos paro corpo para ele continuar vivendo e funcionando sozinho”, disse Maria Cecília Cardoso. 70 Os espermatozóides de Bruno estão congelados e podem ficar assim por mais de 20 anos. Só que a batalha de Nara agora é conseguir na Justiça o direito de ter o filho do ex- noivo por meio de uma fertilização in vitro. A discussão é polêmica e também está na novela “Escrito nas estrelas”. O personagem Daniel, antes de morrer em um acidente de carro, congelou seus espermatozóides. Agora o pai, interpretado por Humberto Martins, procura uma mãe para gerar um neto dele. “Acho isso maravilhoso. Há uns anos atrás, isso nunca seria possível e hoje em dia toda evolução cientifica pode me proporcionar isso. Uma parte de mim, de todos meus sonhos de 5, 6 anos tem que morrer com ele? Que mal eu estou fazendo, quem eu estou prejudicando?”, disse Nara. “Estamos pedindo o uso do material genético, ou seja, do sêmen de Bruno para que realmente seja efetivada a inseminação e a Nara possa gerar um filho dele”, explicou Adrienne Maia, a advogada de Nara. Polêmica Como será a opinião dos homens? Eles gostariam de ter um filho mesmo depois da morte? A reprodução após a morte envolve muita discussão. A lei deve permitir que uma criança já nasça órfã? E quais serão os direitos dessa criança? “Esse é um ponto polêmico. A princípio, ela não teria direito a essa sucessão, direito a herança. O registro no cartório seria feito com o nome do pai, mas só isso, sem nenhuma outra repercussão no campo exatamente patrimonial. Sem falar nos problemas de ordem psicológica que essa criança pode vir a ter em razão da falta dessa figura paterna”, explicou o jurista Guilherme Calmon. “Não me preocupa o fato de meu filho nascer sem um pai, mas ele vai ter estrutura familiar maravilhosa e vai ser amado muito mais que muitas outras crianças que nascem com pai. Ele vai ser amado e desejado”, defendeu Nara. Paternidade após a morte Outra questão importantíssima: como saber se o pai realmente gostaria que o seu filho fosse concebido e nascesse mesmo depois da sua morte? “A doutrina jurídica tem entendido que, através de um documento, quer dizer, uma manifestação formal, escrita, de vontade para que essa manifestação possa ser utilizada depois da morte da pessoa”, disse o jurista Guilherme Calmon. No caso do Bruno, ele não teve tempo para assinar, o que torna a situação mais complicada do que normalmente seria, disse o jurista. No Brasil, ainda não existe lei sobre fertilização após a morte, apenas uma norma do Conselho Federal de Medicina determinando que os médicos colham material com 71 autorização do doador. Como Bruno não deixou nada por escrito, o caso vai ter que ser julgado com base nos testemunhos de quem convivia com ele. “No caso da reprodução assistida, eu não conheço nenhuma hipótese em que isso tenha acontecido. Se houver, vai ser a primeira vez no nosso judiciário, pelo menos que eu conheço. E aí o problema vai ser discutir se aquela prova testemunhal vai ser ou não considerada válida e importante em substituição ao documento”, disse o jurista Guilherme Calmon. “Eu tenho certeza que gostaria de dar essa criança para nossa família, não para nós, para nossa família, porque seria uma criança que ia alegrar nossa casa de novo, porque a perda dele foi um rombo. A nossa casa ficou vazia sem ele e essa criança iria trazer alegria de novo”, disse Eliane, mãe de Bruno. G1 NOTICIAS, Mulher luta para conseguir ter filho de noivo que j á morreu . Disponível em: . Acesso em: 26.abr.2010. 72 ANEXO C CURITIBANA GANHA DIREITO DE ENGRAVIDAR DO MARIDO MO RTO Ter, 25 de Maio de 2010 18:56 Daiane Rosa Katia pode ser a primeira brasileira a engravidar de sêmen de doador falecido A justiça brasileira, demorou apenas dois dias, entre 12 e 14 de maio, para autorizar, pela primeira vez, uma inseminação de sêmen de um doador falecido. Roberto Jefferson Niels, de 33 anos, morreu, em fevereiro deste ano, em decorrência de um câncer, e sua mulher, Kátia Lerneneier, entrou com uma ação judicial, para ter o direito de utilizar o material genético do marido para gerar um filho. O processo foi iniciado após o laboratório em que o sêmen se encontra, se recusar a realizar o procedimento sem autorização expressa do doador, pois se trata de uma norma do Conselho Federal de Medicina (CFM). “Quando tomei a decisão de querer engravidar, não imaginei a proporção que o caso daria, nem a resistência que encontrei”, conta a professora Kátia Lerneneier, de 38 anos. Ela e o marido eram casados há cinco anos e tentavam engravidar quando Roberto diagnosticou um câncer. O médico então orientou o casal a congelar o sêmen porque a quimioterapia poderia resultar em infertilidade. “Eu não pensava na possibilidade da morte dele, eu espera pela cura para que depois pudéssemos ter o nosso filho”, explica. Com a morte do esposo, em março Katia decidiu que queria ter um filho do marido. “No começo a mãe dele ficou assustada porque ninguém sabia que o sêmen estava guardado, mas passado o susto toda a família me apoiou”. “Nós apoiamos porque era da vontade dele ter um filho. Mas infelizmente, quando eles decidiram isso, veio a doença e levou ele embora”, lamenta Maria de Lourdes Miels, mãe de Roberto. As advogadas responsáveis pelo caso, Adriana Szmulik e Dayana Dallabrida, contaram que argumentação se baseou na comprovação da vontade do falecido de ser pai. “Foram determinantes as declarações de familiares dele, e do próprio laboratório, que confirmou a tentativa do casal de ter um filho”, relata Dayana. De acordo com elas, a legislação sobre o tema é escassa e possui muitas brechas de interpretação. “Acredito que o tema ainda não tinha sido discutido por falta de um fato concreto, mas a partir de agora, as discussões devem se acelerar entre os 73 profissionais da área, até porque, o caso dela pode servir de argumento para uma mesma situação”, acredita Adriana. Para Kátia, é incrível ver como se evolui na área tecnológica, ao mesmo tempo em que a parte legal permanece estática. “Esse filho vai completar a nossa relação, nossa história de amor. Vai preencher o vazio no peito que o Roberto deixou”, diz emocionada. Kátia ainda precisa fazer alguns exames clínicos antes de começar a tentativa de inseminação que deve ocorrer em julho, por opção dela. “A médica disse que já queria começar agora, mas eu quero dar um tempo para absorver todo esse drama”, explica. Segundo ela, o sêmen disponível é suficiente para realizar três tentativas de inseminação, sendo que cada uma delas tem 20% de chance de dar certo. Caso a criança seja gerada, outros impasses ainda terão de ser resolvidos como se ela terá direito ao sobrenome e nome do pai, no registro, e se ela se qualifica ou não como herdeira. “A qualificação de herdeiros tem dois lados, um contra e outro a favor, que são defensáveis”, garante a advogada Dayana. O laboratório se pronunciou dizendo que não pretende recorrer da decisão. Reportagem Daiane Rosa Fotos Lineu Filho JORNALE, Curitibana ganha direito de engravidar do marido mo rto. Disponível em: http://jornale.com.br/portal/curitiba/79-03-curitiba/4220-curitibana-ganha-direito- de-engravidar-do-marido-morto.html. Acesso em 26.maio.2010.