FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E MEIO AMBIENTE CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA CAMILA FERREIRA KLAUS RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO Porto Alegre 2025 FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E MEIO AMBIENTE 1 CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA CAMILA FERREIRA KLAUS RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO Relatório de Estágio Curricular entregue ao Supervisor da Instituição como parte da avaliação da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado. Supervisor (a) IES: Helena Robattini Carvalho Supervisor (a) local CENV: Kahena Morais Rollemberg Supervisor (a) local CatsInDoor: Roberta Melecchi Zander Porto Alegre 2025 2 AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que na minha infância incentivaram e plantaram o amor e o respeito pelos animais e pela vida. Ao meu vô Élio, pelo exemplo de calma e cuidado comigo e pelas vivências rurais que me proporcionou. Na chácara dele me esperavam a Gueixa (égua) e as vacas que o seguiam por todo o lado, obrigada por me ensinar que “O boi é bicho, mas tem alma sob o couro”. A minha vó Gemma, que é a maior cachorreira da família, pelo incentivo e exemplo de amor pelos animais, obrigada por me apoiar e ajudar a resgatar algumas vidas ao longo desses anos. Aos meus pais, Cláudio e Élida, que sempre estiveram presentes e incentivaram o meu desenvolvimento, me dando suporte e sendo minha rede de apoio incondicional até hoje. Ao meu pai que em incontáveis vezes me acompanhou, esperando o ônibus comigo, pelos cappuccinos no final do dia, pelos momentos de descontração olhando séries e lendo comigo. A minha mãe Élida, que aprendeu a ser gateira com a minha avó e me permitiu ter esse vínculo, pois sem isso eu não seria quem sou, por todo o apoio, carinho e quitutes que me fez durante toda a faculdade. 3 1. INTRODUÇÃO No décimo semestre do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter, os alunos devem realizar 440 horas de estágio supervisionado como parte dos requisitos para a conclusão do curso. O estágio pode ser dividido entre dois locais de escolha do aluno, permitindo que ele se envolva com áreas de interesse específicas dentro da profissão. Este trabalho tem como objetivo relatar as principais atividades realizadas durante o estágio da aluna, além de apresentar um caso clínico na área de neurologia veterinária. Para cumprir essa carga horária, a aluna optou por dividir o estágio entre dois locais distintos: o Centro Especializado em Neurologia Veterinária (CENV) e a Clínica CatsInDoor. O CENV foi escolhido por ser um centro de referência na área de neurologia veterinária, oferecendo à aluna a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos práticos e teóricos sobre as afecções neurológicas, além de permitir o acompanhamento de casos clínicos complexos, observando especialistas e suas condutas. O estágio foi realizado de 18 de fevereiro a 10 de abril de 2025, no período das 14h às 20h, totalizando 220 horas, sob a supervisão da Médica Veterinária Kahena Moraes Rolemberg. A Clínica CatsIndoor foi escolhida por ser referência no atendimento de felinos, proporcionando um ambiente adaptado para as necessidades da espécie, aprofundando os conhecimentos nas abordagens cat friendly, além de permitir o acompanhamento em clínica médica. O estágio foi realizado de 14 de abril a 4 de junho de 2025, das 13h30 às 19h30, também totalizando 220 horas, sob a supervisão da Médica Veterinária Roberta Melecchi Zander. A combinação de estágios nesses dois locais possibilitou à aluna uma formação prática diversificada, unindo a especialização em neurologia veterinária, com o atendimento clínico especializado de felinos, uma das espécies de maior destaque na medicina veterinária. 4 2.1 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO CENTRO ESPECIALIZADO EM NEUROLOGIA VETERINÁRIA Durante o estágio curricular no Centro Especializado em Neurologia Veterinária (CENV), com carga horária total de 220 horas, a acadêmica participou ativamente da rotina clínica e hospitalar, desenvolvendo competências práticas em neurologia veterinária, manejo de pacientes e apoio a procedimentos diagnósticos e terapêuticos. O centro especializado em neurologia veterinária possuí 3 andares (térreo, subsolo e primeiro andar), a entrada fica no térreo, este andar contém sala de espera, consultório, sala de radiografia e ultrassonografia. Há também um anexo em parceria com a Clínica Mundo à Parte, onde são realizadas diversas modalidades de fisioterapia nos pacientes que necessitam de tratamento fisioterápico. No subsolo encontra-se a internação, onde ficam os pacientes que necessitam de cuidado intensivo, ao lado da internação é situada a farmácia, a cozinha e o espaço para descanso dos veterinários. Já no primeiro andar, estão situados dois consultórios, uma sala de visitas, a sala da administração, sala de esterilização, sala de cirurgia e banheiros. As atividades incluíram acompanhamento em atendimentos clínicos neurológicos, coleta de anamnese, realização de exame físico e neurológico, monitoramento de pacientes internados, administração assistida de alimentação, auxílio em exames de imagem e interação com a equipe de fisioterapia na reabilitação de pacientes, evidenciando a importância da integração entre os profissionais de fisioterapia e de neurologia para a recuperação mais rápida e eficiente do paciente. A acadêmica coletou a amostra de 75 pacientes durante o estágio curricular na clínica veterinária, obtendo os seguintes dados casuísticos: Foram observados 25 pacientes com Doença do Disco Intervertebral (DDIV) (33,3%), seguidos por 20 pacientes com meningoencefalite (26,67%) e 12 pacientes com epilepsia (16%) também foram registrados 3 pacientes com epilepsia secundária a neoplasias (4%) e 3 pacientes com AVC (4%). Também foram identificados 2 pacientes (2,67%) com mielomalacia. 5 As demais condições, cada uma representando 1 paciente (1,33%), incluem hemivertebra, tétano, hidrocefalia, ataxia por intoxicação, trauma cranioencefálico, displasia, linfoma, síndrome vestibular, afagia talamocortical e cardiomiopatia hipertrófica felina (somando 13,33% da amostra). a. Casos geriátricos somaram 25% da amostra, envolvendo pacientes com doenças crônicas como DDIV, meningoencefalite, epilepsia, síndrome vestibular e linfoma. b. O paciente mais idoso atendido tinha 17 anos de idade, diagnosticado com DDIV. c. A presença de DDIV (33,3%) mostra que é uma patologia muito frequentes em cães, especialmente em raças predispostas como Daschund, Pug, ShihTzu e Beagle, reforçando a importância da triagem precoce e do manejo clínico. d. A epilepsia (16%) foi diagnosticada em diferentes raças, incluindo três casos secundários a tumores cerebrais em pacientes geriátricos (4%), somando 20% dos casos estudados. e. A meningoencefalite (26,67%) é uma condição comum, especialmente em raças pequenas, como Maltês, ShihTzu e Pug, porém foi observada em diversas raças, evidenciando a importância do diagnóstico diferencial e do tratamento intensivo para evitar sequelas neurológicas, f. Hidrocefalia, mielomalácia e AVC são menos frequentes na prática clínica geral, mas aparecem em casos neurológicos complexos. g. Trauma cranioencefálico e tétano são mais raros, mas relevantes em emergências veterinárias. 6 2. 2 TIVIDADES DESENVOLVIDAS NA CLÍNICA CATSINDOOR A Clínica Veterinária Catsindoor é especializada no atendimento exclusivo de felinos domésticos, oferecendo estrutura adaptada para minimizar o estresse dos pacientes e promover bem-estar. Distribuída em dois andares, a clínica dispõe de ambientes cuidadosamente projetados e equipados com recursos como feromonioterapia ambiental (Feliway) e áreas de internação cat friendly. No primeiro andar estão a recepção, três consultórios clínicos, sala de ultrassonografia, sala de análises laboratoriais e banheiro. No segundo andar localizam-se as áreas de internação com 13 leitos adaptados, área de isolamento com 6 leitos para doenças infectocontagiosas e o centro cirúrgico equipado para procedimentos eletivos e emergenciais. Durante o estágio, a acadêmica acompanhou atendimentos clínicos com enfoque em medicina felina, realizando coletas de anamnese, exames físicos e comportamentais, e participando de discussões diagnósticas. Também colaborou no monitoramento de pacientes internados, administração de medicamentos, realização de exames laboratoriais e de imagem, além de atuar no pós-operatório de cirurgias. Destacou-se ainda a vivência prática em ambiente adaptado às necessidades comportamentais dos gatos, com aplicação dos princípios da medicina felina de baixo estresse e difusores de Feliway para promover conforto aos pacientes. A acadêmica coletou a amostra de 64 pacientes durante o estágio curricular na clínica veterinária, obtendo os seguintes dados casuísticos: Foram observados 5 pacientes com doença intestinal inflamatória (7,81% da amostra), 4 pacientes com gripe (6,25% da amostra), Diagnósticos apresentados em 3 pacientes (4,68%), gastroenterite, lipidose hepática, doença renal crônica e filhotes recém-nascidos com FeLV (totalizando 18,75% da amostra). Diagnósticos apresentados por 2 pacientes (3,12%), adenocarcinoma intestinal, periodontite, cistite, linfoma alimentar, espondilite e asma felina (totalizando 18,75% da amostra). As demais condições, cada uma representando 1 paciente (1,56%), incluindo fratura em fêmur, otite interna com síndrome vestibular, acidente com inseto, intoxicação por lírio, colite, cistoisóspora em filhote, resgatado com caquexia e gripe, 7 obesidade, linfoma pulmonar, hipoglicemia em filhote, colecistite, hérnia diafragmática, hérnia abdominal, síndrome orofágica, obstrução uretral, cardiomiopatia hipertrófica, artrite, rim policístico, dermatite atópica e epilepsia (totalizando 31,25% da amostra). Fora as patologias, 11 pacientes (17,18%) procuraram a clínica para procedimento de castração eletiva. a. Casos geriátricos somaram 26,4% da amostra, envolvendo pacientes com doenças crônicas como artrose, obesidade, espondilite, doença renal crônica, hipertireoidismo, hiperaldosteronismo e linfoma alimentar. b. O paciente mais idoso atendido tinha 22 anos de idade, diagnosticado com artrose. c. A doença inflamatória intestinal tem alta prevalência na clínica de felinos (7,94%) reforça a importância do acompanhamento clínico regular, principalmente em casos de emese recorrente. d. A presença de 4 pacientes (6,35%) com gripe, demonstra a importância da manutenção da imunidade principalmente durante as trocas de temperatura. e. A presença de gastroenterite, lipidose hepática, doença renal crônica e FeLV em filhotes, (4,76%) reforça a importância da triagem, realização de exames periódicos e monitoramento de doenças infecciosas e crônicas, ressaltando a necessidade de ações preventivas como o manejo nutricional de qualidade, a vacinação, castração e telamento da casa. f. Foram registrados 2 pacientes com adenocarcinoma intestinal (3,17%), podendo ser esta uma evolução da doença intestinal inflamatória. g. Outros diagnósticos observados foram 1 paciente cada (1,59%), fratura em fêmur, otite interna com síndrome vestibular, acidente com inseto, intoxicação por lírio, colite, cistoisóspora em filhote, hipoglicemia em filhote, felino resgatado com caquexia e gripe, linfoma pulmonar, colecistite, hérnia diafragmática, hérnia abdominal, síndrome orofágica, obstrução uretral, cardiomiopatia hipertrófica, artrite, rim policístico, dermatite atópica e epilepsia, demonstrando a diversidade de condições clínicas atendidas. 8 3 RELATO DE CASO Ascensão e Protrusão do Núcleo Pulposo (ANNPE) em um Cão da Raça Yorkshire Introdução Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de Ascensão e Protrusão do Núcleo Pulposo (ANNPE) em um cão da raça Yorkshire Terrier, descrevendo o processo de diagnóstico, tratamento e reabilitação, e discutir a evolução clínica frente à literatura disponível. A coluna vertebral é composta por uma série de vértebras articuladas que protegem a medula espinhal e permitem a mobilidade do corpo. Entre essas vértebras encontram-se os discos intervertebrais, estruturas especializadas que funcionam como amortecedores biomecânicos, possibilitando flexibilidade axial e absorção de impactos durante o movimento (De Risio., 2015). Cada disco intervertebral é formado por duas partes distintas: o ânulo fibroso, composto por lamelas concêntricas de tecido colágeno resistente; e o núcleo pulposo, uma estrutura central gelatinosa com elevada concentração de proteoglicanos, responsável por distribuir uniformemente as cargas aplicadas à coluna vertebral . A ANNPE, representa uma causa importante de mielopatia aguda não compressiva em cães, e esporádicos em felinos (BOTSOGLOU et al., 2021). O evento patológico ocorre de forma aguda, associado a traumatismos menores como saltos, corridas ou movimentos bruscos, desencadeando um jato pressurizado de núcleo pulposo que gera uma lesão contusa antes de se dissipar ou ser reabsorvido na substância cinzenta da medula espinhal, causando uma mínima ou nenhuma compressão medular (De Risio et al.,2015, FENN et al.,2020). Clinicamente, os animais acometidos apresentam paraparesia ou paraplegia de início súbito, muitas vezes sem dor persistente, com preservação dos reflexos espinhais e da nocicepção profunda em grande parte dos casos (Jeffery et al., 2013). 9 Relato de caso Chegou para atendimento um cão macho, da raça Yorkshire Terrier, com nove anos de idade, encaminhado de outra clínica, apresentando tetraparesia não deambulatória após pular de uma maca alta a qual costumava subir. O tutor relata que ao encostar no chão, o cão vocalizou e não conseguiu mais se levantar. O episódio havia ocorrido 48 horas antes, quando o paciente foi levado a uma clínica próxima. O histórico informava ausência de doenças prévias e uso de medicamentos anteriores, a vacinação e antiparasitário estavam atualizados. Na anamnese, o tutor relatou início súbito dos sinais neurológicos, sem alterações de apetite ou micção. No exame clínico geral, o animal encontrava-se alerta, com comportamento apropriado e responsivo. Os parâmetros obtidos no exame físico do paciente estavam dentro do esperado para espécie e sem alterações em linfonodos. No exame neurológico todos os reflexos cranianos avaliados apresentaram nota 2, o que indica função normal e simétrica bilateralmente, sem sinais de comprometimento dos nervos cranianos. Figura 1 – Exame neurológico (Pontuações: 0 = ausente, 1 = diminuído, 2 = normal, 3 = aumentado, 4= clonos). Fonte: O próprio autor, 2025. O tônus muscular, discretamente diminuído em todos os membros (nota 1), indicava hipotonia generalizada, reforçando a hipótese de um problema neuromuscular ou medular difuso, com preservação dos reflexos espinhais, embora o 10 reflexo flexor estivesse diminuído, havia presença de nocicepção profunda, excluindo lesões completas ou transecções medulares totais. A análise sanguínea foi feita antes da ressonância e da coleta de liquido cefáloraquidiano (liquor), afim de escolher o melhor protocolo anestésico, já que o paciente deve estar totalmente imóvel durante esses procedimentos afim de evitar riscos e estresse. O hemograma mostrou anemia leve regenerativa sem demais alterações e os bioquímicos estavam dentro dos parâmetros de referência. A análise do líquor foi feita por PCR, negativando para os agentes infecciosos: Neospora caninum, Cryptococcus spp., Blastomyces dermatitidis e Borrelia burgdorferi. A ressonância magnética da coluna cervical evidenciou sinal preservado entre os segmentos C2-3, C4-5 e C5-6 dos discos intervertebrais, com discopatia caracterizada pela perda parcial do sinal do disco intervertebral no segmento C3-4, apresentando hipersinal na porção lateral direita da medula, com limites parcialmente definidos e sem realce após administração de contraste. Notavam-se áreas hipointensas em ponderação T2 e isointesas em T1, localizadas na porção ventral do canal vertebral, na altura do terço caudal de C5 e do terço cranial de C6. Moderada dilatação do espaço subaracnóideo ventral na região, apresentando sinal medular preservado e desidratação do disco intervertebral no segmento C6-7. Os demais espaços intervertebrais estudados, sem alteração e medula de homogeneidade e configuração anatômica normais. 11 Figura 2 – Sinal preservado entre os segmentos C2-3, C4-5 e C5-6 dos discos intervertebrais em ponderação T2, discopatia com perda parcial do sinal do disco intervertebral no segmento C3-4, hipersinal (representado com a seta) e em C6-7 desidratação do disco intervertebral. Fonte: O próprio autor, 2025. Figura 3- Áreas isointensas em ponderação T1, (representado com a seta). Moderada dilatação do espaço subaracnóideo ventral na região (representado com a ponta de seta), apresentando sinal medular preservado e desidratação do disco intervertebral entre o segmento C6-7. Fonte: O próprio autor, 2025. O diagnóstico definitivo foi ANNPE, como diagnósticos diferenciais, consideraram-se extrusão discal clássica, trauma vertebral e processos infecciosos ou neoplásicos. O tratamento medicamentoso instituído durante a internação incluiu a administração de corticosteroide: dexametasona 0,15mg/kg por 3 dias SID, opioide: tramadol 5 mg/kg TID, anticonvulsivante: gabapentina 10mg/kg TID, mucolitico: acetilcisteína 30mg/kg TID inibidor da bomba de prótons: Omeprazol 1 mg/kg BID durante 7 dias. O paciente se manteve em repouso, foram realizados cuidados de enfermagem como: troca de decúbito, alimentação e ingesta hídrica assistida na primeira semana. Todos os dias eram realizados exercícios de retirada quatro vezes ao dia, esse exercício consiste na flexão e extensão passiva dos membros, com o paciente posicionado em decúbito lateral. Os membros eram movimentados, realizando a sequência de dobrar e esticar as articulações (das distais para as proximais). Cada 12 articulação foi trabalhada cerca de 10 repetições 4, respeitando os limites do paciente. Figura 4 – Tabela ilustrativa do tratamento instituído. Fonte: O próprio autor, 2025. Foi feito suporte fisioterápico intensivo duas vezes na semana com cinesioterapia, magnetoterapia e hidroesteira no anexo da clínica parceira. A evolução do paciente foi favorável, sendo vista a recuperação progressiva da mobilidade e força dos membros, retomando a capacidade de se sustentar em decúbito ventral no fim da primeira semana. No início da segunda semana, o paciente já ficava em estação com suporte, no fim da semana permanecia alguns segundos em estação antes da perda de força muscular. Na terceira semana, já realizava movimentos voluntários na hidroesteira e fazia passeios com tipóia de suporte, iniciando o retorno da propriocepção. Figura 5 – Paciente realizando fisioterapia na hidroesteira. Fonte: O próprio autor, 2025. 13 Completadas 4 semanas do ocorrido, o paciente já andava sozinho, porém, se escorava nas paredes para caminhar e ainda se desequilibrava. Discussão A ANNPE, apesar de menos comum do que a extrusão discal tradicional, apresenta sinais clínicos bem descritos. De acordo com De Risio et al. (2015), a ocorrência súbita de sintomas, frequentemente associada a trauma leve e preservação da sensibilidade profunda, é indicativa de ANNPE, o que foi compatível com o caso estudado. Tanto a degeneração discal progressiva quanto lesões traumáticas podem levar a alterações na estrutura dos discos, favorecendo o deslocamento do núcleo pulposo, essas condições são mais prevalentes em raças predispostas (condrodistróficas) e em situações de esforço físico excessivo, como visto no caso.(Jeffery et al., 2013; Fenn et al., 2020). A localização de lesões medulares em cães e gatos baseia-se na identificação de déficits neurológicos específicos associados a diferentes segmentos da medula espinhal. A avaliação inclui análise da marcha, propriocepção, reflexos espinhais e presença ou ausência de dor profunda, permitindo identificar se a lesão está em regiões cervicais, toracolombares ou lombossacrais (SOUZA et al., 2024). A diferenciação entre lesão de neurônio motor superior (C1–C5, T3–L3) e neurônio motor inferior (C6–T2, L4–S3) é fundamental e orienta o prognóstico e o plano terapêutico. Sinais como hiperreflexia, espasticidade e preservação de tônus sugerem lesão central, enquanto hiporreflexia, atrofia muscular e flacidez sugerem lesão periférica (DEWEY & DA COSTA, 2016). Esses dados obtidos através do exame neurológico, como demostrado na Figura 1. O exame padrão-ouro é a ressonância magnética, pela capacidade de detectar lesões medulares não compressivas, edemas, inflamações ou extrusões discais, permitindo a visualização de alterações medulares compatíveis com ANNPE, como hipersinal em sequências T2, que é característico de edema ou contusão medular sem compressão extra medular significativa, associado a extrusão de material discal. A ausência de realce anormal pós-contraste reforça o diagnóstico de ANNPE ao descartar processos infecciosos ou neoplásicos (Da Costa et al., 2020), conforme observado nas Figuras 2 e 3 e no resultado de análise de liquor. Gallucci et al. (2017) descrevem que a apresentação clínica em cães com ANNPE é de piora rápida dos sinais neurológicos, o que requer intervenção imediata. 14 O tratamento é, predominantemente conservador, incluindo repouso, terapia anti- inflamatória e reabilitação fisioterápica (De Risio.,2015). O controle da dor é essencial nos programas de reabilitação para pacientes. Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) podem ser utilizados em casos de dor leve ou paresia moderada. Para o manejo da dor neuropática, opções como opioides e medicamentos anticonvulsivantes são eficazes. Os glicocorticoides podem ser administrados em doses anti-inflamatórias para o tratamento de condições que resultam em compressão da medula espinhal, reduzindo o edema vasogênico e a compressão. Esses medicamentos também possuem efeito anti-prostaglandina, diminuindo a inflamação das raízes nervosas e melhorando o fluxo sanguíneo, o que alivia a dor (Marinho et al., 2014), o que corrobora com o tratamento instituído. Gallucci et al (2017), consideram a reabilitação fundamental para estimular a neuroplasticidade e prevenir ou diminuir as atrofias musculares e escaras de decúbito, contribuindo para uma recuperação funcional mais rápida e completa. A conduta adotada neste caso, com suporte medicamentoso e fisioterapia precoce, segue as recomendações propostas, que defendem a reabilitação como pilar fundamental para recuperação funcional em doenças medulares. Sutton et al (2004), apontam que em casos neurológicos onde o animal permanece imóvel por longos períodos, o alongamento se mostra uma técnica eficaz, já que a imobilidade tende a encurtar os tecidos. O objetivo do alongamento é aumentar a flexibilidade articular e melhorar a elasticidade dos tecidos, incluindo músculos e tendões, por essa razão o paciente realizava movimentos de retirada 4 vezes ao dia. De acordo com Olby (2008), em pacientes que perderam a capacidade de realizar movimentos voluntários, bem como o tônus muscular e a propriocepção, é recomendado o uso de exercícios passivos e reflexos. Esses exercícios têm como objetivo acelerar a retomada da marcha normal. O estímulo do reflexo flexor é particularmente indicado em quadros de déficit do neurônio motor superior (NMS), pois provoca a movimentação de retirada dos membros torácicos e pélvicos, promovendo assim flexão ativa das articulações como carpos e cotovelos, ou joelhos e tarsos, dependendo do membro estimulado, corroborando com Sutton et al (2004). A sustentação assistida é um dos primeiros exercícios indicados na reabilitação de pacientes que possuem tônus muscular suficiente para se manter em posição ortostática. A técnica pode ser realizada manualmente em animais de pequeno porte 15 ou utilizando toalhas ou tipóias posicionadas sob o tórax, na região caudal do abdômen ou em ambos, dependendo do quadro clínico do paciente. A postura do animal durante o exercício deve ser o mais próximo possível da posição natural, garantindo equilíbrio e favorecendo os estímulos sensoriais provenientes de músculos, ligamentos e tendões (SUTTON et al, 2004; Millis & Levine, 2014), como realizado a partir da segunda semana de internação. A marcha assistida é uma técnica que contribui para o fortalecimento muscular e para a recuperação da coordenação neuromuscular, acelerando a reabilitação do paciente (Millis & Levine, 2014). Já a hidroterapia consiste na realização de exercícios dentro da água, permitindo o aumento da força e da massa muscular, além de proporcionar mobilidade articular e agilidade dos membros (Ramalho et al., 2015). Neste caso, foi feito hidro esteira, o que uniu as vantagens da marcha assistida e da hidroterapia. O prognóstico favorável observado é apoiado por Olby et al. (2020), que relataram altas taxas de recuperação em cães com dor profunda preservada e micção espontânea, como foi no caso descrito. Conclusão O presente relato de caso descreve a manifestação clínica, o diagnóstico e o manejo de um paciente canino acometido por Ascensão e Protrusão do Núcleo Pulposo (ANNPE). A identificação precoce, o suporte medicamentoso adequado e a instituição de fisioterapia neurológica intensiva foram determinantes para a evolução favorável do paciente. A singularidade do caso se destaca pela recuperação funcional expressiva sem necessidade de intervenção cirúrgica, evidenciando a importância de uma abordagem clínico-terapêutica adequada. Embora o relato de um único caso não permita estabelecer conclusões definitivas, ele ressalta a relevância da fisioterapia como parte essencial no tratamento de doenças medulares agudas em cães. 16 Referências Bibliográficas BOTSOGLOU, R. et al. Acute non-compressive nucleus pulposus extrusion in dogs and cats: an overview. Journal of the Hellenic Veterinary Medical Society, v. 72, n. 2, 2021, p. 2809-2816. DA COSTA, R. C. et al. Diagnostic imaging in intervertebral disc disease. Frontiers in Veterinary Science, v. 7, 2020, p. 588338. DE RISIO, L. A review of fibrocartilaginous embolic myelopathy and different types of peracute non-compressive intervertebral disk extrusions in dogs and cats. Frontiers in Veterinary Science, v. 2, 2015 p. 24. DEWEY, C. W.; DA COSTA, R. C. Practical guide to canine and feline neurology. 3. ed. Ames: Wiley-Blackwell, 2016. FENN, J. et al. Classification of Intervertebral Disc Disease. Frontiers in Veterinary Science, v. 7, , 2020 p. 579025. GALLUCCI, A. et al. Acquisition of involuntary spinal locomotion (spinal walking) in paraplegic dogs without pain perception undergoing intensive neurorehabilitation. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 31, n. 6, 2017, p. 1763-1769. JEFFERY, N. D. et al. Intervertebral disk degeneration in dogs: consequences, diagnosis, treatment, and future directions. Veterinary Medicine: Research and Reports, v. 4, 2013, p. 27-39. MARINHO, P. V. 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Tratamento de doença de disco intervertebral em cão com fisioterapia e reabilitação veterinária: relato de caso. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 13, n. 1, 2015, p. 10–17. 17 SOUZA, I. V. B. et al. Exame neurológico didático – um guia ilustrado para alunos e médicos veterinários de pequenos animais. 16º Jornada Científica e Tecnológica e 13º Simpósio de Pós-graduação do IFSULDEMINAS, v. 16, n. 2, 2024. SPITZBARTH, I. et al. Current insights into the pathology of canine intervertebral disc extrusion-induced spinal cord injury. Frontiers in Veterinary Science, v. 7, 2020, p. 595796. SUTTON, A. et al. Canine rehabilitation and physical therapy., 2004, p. 303-323. 1. INTRODUÇÃO 2.1 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO CENTRO ESPECIALIZADO EM NEUROLOGIA VETERINÁRIA